Cléon e Adisa; para além dos laços familiares que uniam as duas irmãs, havia algo que estas partilhavam. O seu amor por Briseu era o que ao mesmo tempo as aproximava, mas que inevitavelmente as separava. Briseu agradara-se mais de Cléon e estes casaram. As duas irmãs sabiam que o sofrimento era uma das inevitabilidades da vida e cada uma, à sua maneira o ia experienciando. Adisa, desde o matrimónio entre Cléon e Briseu não conseguia conformar-se e os ciúmes que sentia pela felicidade da irmã tornaram-na em alguém que vivia frustrada e deprimida. Iria para sempre viver com a mágoa de ter perdido quem amava para Cléon que ela achava não nutrir por Briseu o mesmo carinho que ela sentia.
Cléon, por sua vez, apesar da sua enorme felicidade, não conseguia libertar-se da constante preocupação com que vivia; receava que o seu amado marido Briseu renunciasse ao casamento e se apaixonasse por Adisa. Cléon poderia ser considerada uma boa pessoa; era educada e respeitadora, sensível e grave, por isso preferia manter este medo em meia-luz.
O convívio entre as duas irmãs era inevitável; este facto revelava-se agradável para Adisa que sempre quisera Briseu, mas realmente desconfortável para Cléon. O encontro entre Adisa e o seu marido era uma ideia em que não suportava tão pouco pensar.
Por uma ocasião, quando a família se reuniu, Cléon constatou o que mais temia; o seu marido parecia mostrar sinais de quem se começava a aproximar de maneira mais íntima de Adisa. O efeito despertado em Cléon foi terrível; a mulher serena como era usualmente considerada, estaria prestes a revelar-se muitíssimo ciumenta. Imediatamente iniciou a delineação de estratégias que visavam o afastamento dos dois. Ao pô-las em prática, apercebeu-se de que estas eram falíveis. A única solução seria mesmo uma medida drástica, como o assassinato de Adisa. O estado de loucura em que se encontrava não permitia a Cléon medir as consequências que adviriam desse vil acto.
Para concretizar esta resolução, Cléon procedeu à realização de um remédio tóxico que iria ser consumido por Adisa. Todo o plano engendrado estava prestes a ser praticado e um convite envenenado de Cléon estaria em vias de consumar uma fatalidade.
O que parecia um simpático gesto de oferecer uma simples bebida tornar-se-ia numa tragédia. O irónico de toda a situação foi que a vítima escolhida por Cléon acabou por escapar ilesa do pretendido abominável ataque por esta premeditado. Em lugar de Adisa, quem finalmente sofreu as piores consequências foi Briseu. Em completa ignorância, Cléon cometeu um erro desastroso; serviu ao seu marido a bebida envenenada que acabaria por matá-lo.
Esta trágica morte trouxe à pobre ciosa enorme sofrimento; a sua vida parecia ter acabado, nunca mais iria ser feliz. A depressão em que mergulhou durante anos deveu-se à culpa que atribuíra a si própria pela morte de Briseu. A calamitosa noite em que perdera o grande amor da sua vida tornou-se numa presença perpétua na mente de Cléon. Esta não voltou a sentir senão arrependimento e repugnância de si mesma, isolando-se.
Numa tentativa de reconstruir a sua felicidade, começou a restabelecer contacto com todas as pessoas de quem se afastara durante anos. Como mulher culta que era, os livros, a música, pintura e teatro sempre para ela foram importantes. Antes da desgraça por ela criada, um dos seus preferidos passatempos consistiam em idas ao teatro. Agora, passados sete anos de melancolia, começava a sentir falta das belas noites de teatro. Foi quando esta saudade apertou que resolveu ir assistir a uma peça. Enquanto se dirigia para o teatro foi-lhe impossível não voltar aos tempos antigos, à sua época áurea em que todas as semanas, acompanhada do seu querido Briseu, assistia a uma peça teatral. Apesar de toda a tristeza que sentia, ao mesmo tempo estava bastante entusiasmada; para Cléon, o teatro era um verdadeiro prazer.
Enquanto a peça se ia desenrolando, Cléon apercebeu-se de que toda a situação teatral tinha várias semelhanças com a sua vida. A peça retratava a vida de dois irmãos que amavam a mesma mulher e que por ciúme e traição, um deles havia morto o outro. A identificação com o que era representado foi imediata; houve até coincidências de falas das personagens com a sua realidade que Cléon estranhou parecendo-lhe tudo um pouco sinistro. A personagem em quem mais se reconheceu foi na do irmão que assassinou o outro. No fundo era muito semelhante ao que Cléon pretendia ter feito, mas foi-lhe pregada uma partida. Ao início, quando se apercebeu do tema da peça, ficou bastante incomodada e pensou mesmo em abandonar a peça a meio para que não sofresse ainda mais. Porém ficou e ainda bem que o fez. Ao contrário do que pensara, ao assistir àquela peça, Cléon chegou a sentir um certo conforto; começou a pensar que afinal existia a hipótese de o seu acto não ter sido tão pérfido como ela imaginava. Emocionou-se, sentiu terror, piedade, riu e chorou. No fim da peça, depois do êxtase emocional, sentiu um enorme alívio. A purificação da sua alma foi atingida através de uma purgação dos sentidos. Pareceu a Cléon que havia expiado os seus males através da peça a que acabara de assistir. Agora mais descarregada tomou a resolução de viver mais despreocupada e abandonou o local deixando todos os males, que pareciam já não lhe estar associados, para trás.
Sem comentários:
Enviar um comentário