quinta-feira, 6 de junho de 2013

Aos meus alunos do 12º ano

Este é o vosso último dia de aulas no Ensino Secundário, assim considerado de acordo com o calendário lectivo. Este é o último dia em que vos encontro nas circunstâncias específicas de uma sala de aula. Diz-se que estes dias são dias de despedida. É verdade. Por esse motivo, costumam ser feitos balanços e demais considerações acerca do passado. Neste caso seria de um passado comum que convosco tive o privilégio de partilhar.
Contudo, não é do nosso passado comum que me lembrei de vos falar hoje. Desse passado permanecerão as memórias que trazemos nas nossas lembranças e que a todos nós permitirão um dia convocar a nostalgia que nos alimenta nos momentos difíceis e que nos consolam em direcção ao futuro individual que cada um de nós tem pela frente.
O meu tópico final que hoje vos apresento, a alguns ao fim de seis anos, dirige-se ao futuro. A um futuro que, embora não tenha parecido muitas vezes, sempre esteve presente nas nossas aulas, até porque, num certo sentido, as pessoas de tenra idade ainda não têm passado e, apesar de viverem imersas num presente que fervilha, criando a ilusão de que apenas ele existe, só têm futuro.
De qualquer forma, como tudo aquilo que é de facto essencial, o futuro de que vos quero falar só pode fazer sentido se o conseguirmos contemplar de acordo com a nossa História, que o mesmo é dizer, de acordo com os valores da tradição cultural que nos molda e que, por sua vez, nós temos de moldar.
O tópico de que vos falo, enfim, é a Liberdade.
Ocorreu-me falar-vos de Liberdade, partindo de um autor antigo, de um dos maiores autores que a nossa civilização alguma vez conheceu: Dante Alighieri.
Não consigo conceber uma sociedade futura sem Liberdade e vocês serão os agentes que hão-de transformar essa sociedade.
A liberdade separa águas entre a cega escuridão infernal e a transparente alvorada “de um zéfiro oriental” que acolhe Dante e Virgílio no Purgatório. Esta é uma liberdade muito diferente daquela que nós, modernos, entendemos como tal. A nossa liberdade é uma liberdade política, assente no abuso de uma legislação ou de um poder opressor. É uma liberdade social, que resulta da necessidade e da desigualdade. É uma liberdade pessoal, não condicionada, resultante de uma realização pessoal de si, ou do prazer próprio. Falamos em liberdade de voto, de consciência, de opinião. É destes conceitos que falamos quando comumente falamos em liberdade. No entanto, quando falamos de Dante, a ideia de liberdade não é de uma liberdade de alguma coisa, mas sim de uma liberdade que provém de alguma coisa. Para Dante, a liberdade é o avesso da servidão. Numa carta dirigida aos seus contemporâneos, o autor da Commedia enuncia quatro verbos de coacção que delimitam com exactidão a ideia oposta à de liberdade. Os verbos são: dominar, obrigar, aprisionar, proibir. Para Dante, a liberdade resulta de um contraste e, por conseguinte, de um compromisso com o objectivo de ultrapassar a condição de escravidão.
Ao longo dos anos fomos lendo obras diversificadas. A literatura proporciona-nos a possibilidade de pensarmos e de, através das ideias que vamos construindo, desenharmos o nosso próprio destino, ou pelo menos de nos iludirmos perante a possibilidade de dominarmos o mundo, mesmo que esse mundo seja o do nosso quintal. Um quintal onde nos podemos sentir confortáveis, mas cuja ideia de permanência não está imune à vulnerabilidade dos tempos.
Há um par de anos, muitos pensariam impensável a supressão de direitos fundamentais a que hoje em dia vamos assistindo. De tal modo essa perda se tem processado de forma sistemática e precisa que, durante muito tempo, pareceu indolor. Contudo, com o tempo, e por via dessas perdas acumuladas, a nossa sociedade debilitou-se e a ideia de progresso imparável que durante muito tempo moldou o pensamento do cidadão comum, deu lugar a uma época de incertezas.
Não podemos dizer que não temos liberdade: de expressão, de voto, por exemplo. Contudo, o sentido do conceito de liberdade tem sido esvaziado. Vivemos num período histórico perigoso, movido pela necessidade. O homem que se quer livre é aquele que não vive da necessidade de satisfação das coisas básicas de vida. O homem que vive submerso na necessidade de satisfação daquilo que é básico passa a ter em risco, para além dos bens de satisfação imediatos, algo que é ainda mais importante: a sua dignidade.
O ponto a que chegámos requer pessoas informadas e capazes de conceber juízos críticos que proporcionem o restabelecimento de uma sociedade vigorosa e digna, e, por conseguinte, Livre.
Como podem observar, as notícias que vos trago não são as mais promissoras, porque implicam um trabalho árduo de restabelecimento de uma ordem nova, de um mundo novo em que os homens possam sentir-se de facto o centro das decisões mais importantes das suas vidas. Essa tarefa está destinada a ser cumprida pela vossa geração.
Desejo-vos coragem, tenacidade, teimosia na prossecução da tarefa.
O futuro está aí!

Resta-me agradecer a paciência que sempre tiveram para comigo e a forma sempre educada e gentil como me trataram ao longo destes anos em que a escola foi sempre um lugar muito agradável para mim.

Carlos Jesus

domingo, 17 de março de 2013

Quem me dera que a minha vida fosse um carro de bois - Alberto Caeiro


XVI

Quem me dera que a minha vida fosse um carro de bois
Que vem a chiar, manhaninha cedo, pela estrada,
E que para de onde veio volta depois
Quase à noitinha pela mesma estrada.

Eu não tinha que ter esperanças — tinha só que ter rodas...
A minha velhice não tinha rugas nem cabelo branco...
Quando eu já não servia, tiravam-me as rodas
E eu ficava virado e partido no fundo de um barranco.

Ou então faziam de mim qualquer coisa diferente
E eu não sabia nada do que de mim faziam...
Mas eu não sou um carro, sou diferente
Mas em que sou realmente diferente nunca me diriam.

O tema central deste poema é claramente a vida.

A expressão inicial "quem me dera" seguida do subjuntivo "fosse" remete para um desejo do poeta, assim como para a sua insatisfação em relação à sua vida. Esta expressão também pode indicar que o sujeito poético tem a consciência de que a sua vontade de ser outro ou outra coisa é impossível.


  • Negação de si mesmo

Alberto Caeiro é considerado Mestre porque dentro dos heterónimos é o mais equilibrado, uma vez que é o único totalmente exterior e que percebe a singularidade das coisas devido à sua forma de ver que se caracteriza como neutra, exterior.

Neste poema, Alberto Caeiro vai contra as suas ideologias na medida em que nega a sua existência, rejeita a realidade, ao querer ser algo que não é.

Esta situação é comparável com Fernando Pessoa Ortónimo uma vez que este, no poema "Ela canta pobre ceifeira" deseja ser inconsciente, ingénuo, como a ceifeira pois essa é a única causa da sua alegria. 



  • O desejo de ser inconsciente e as sensações
Este desejo de ser inconsciente está ligado à dor de pensar e à anulação do pensamento metafísico.

Para Caeiro, a sensação é a forma de conhecimento do mundo, sendo mais importante ver e sentir do que o verdadeiro acto de pensar.
Deparamo-nos assim com um paradoxo: sensação/verdade, pensamento/mentira.
Alberto Caeiro crê que o ser humano é concebido como um ente sem dentro e sem interior, isto é, a relação do ser humano com a realidade é guiada pelo exterior, pelo factor fora, tenho como referencial o corpo.

  • Alberto Caeiro e Nietzsche
"É preciso destruir a moral para libertar a vida"

Segundo Nietzsche, a cultura ocidental está envenenada por uma certa moral que desvaloriza o mundo sensível de tudo o que é corpóreo, valorizando a razão.
Esta sobrevalorização da razão é para Nietzsche um sintoma de decadência e de falta de vitalidade.
Nietzsche considera que a razão é um instrumento que despreza tudo o que é difícil controlar, ou seja, o corpo, as emoções e os sentimentos.
Da mesma maneira, Caeiro defende que a sensação é mais importante do que a racionalidade, pois ela traduz sempre aquilo que é verdadeiro.

sexta-feira, 15 de março de 2013

"Chuva obliqua", IV parte


Em Portugal, o modernismo surgiu publicamente em 1915 com a publicação da revista “Orpheu”. De entre os grupos de vários autores plásticos que participaram no movimento, que viria a ser conhecido como “os de Orpheu”, destacam-se os nomes de Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, Almada Negreiros, Amadeu de Souza-Cardoso. Os homens deste movimento modernista escandalizaram e assustaram os intelectuais e a sociedade da época. 
O interseccionismo é um movimento literário de vanguarda criado por Fernando Pessoa e que se caracteriza pela intersecção no poema de vários níveis simultâneos de realidade. Processo típico da pintura futurista (caraterizado por sobreposições dinâmicas), que depois se aplicou à poesia do Modernismo. O poema "Chuva Oblíqua", de Fernando Pessoa (in "Orpheu" nº2, 1915), é talvez o exemplo mais significativo deste novo processo. Nele se cruzam a paisagem presente e ausente, o atual e o pretérito, o real e o onírico, o poeta é uma alma dividida, que capta subtis correspondências de sensações.

Que pandeiretas o silencio deste quarto!...

As paredes estão na Andaluzia…

Há danças sensuais no brilho fixo da luz…

 

De repente todo o espaço pára…

Pára, escorrega, desembrulha-se….,

E num canto do teto, muito mais longe do que ele está,

Abrem mãos brancas janelas secretas

E há ramos de violetas caindo

De haver uma noite de Primavera lá fora

Sobre o eu estar de olhos fechados…

 

Na quarta parte do poema, o espaço interior (o Quarto) abre-se para o mundo exterior e o silêncio é imaginariamente invadido pelas pandeiretas das danças na Andaluzia. O distante ruidoso vem interseccionar o silêncio que rodeia o poeta. É esperado que o poeta encontre neste mundo exterior o que não pode encontrar dentro de si. No quarto e no quinto verso, o sujeito poético utiliza palavras como, “Pára, escorrega, desembrulha-se”, de forma a ampliar o ser interior real que é de infelicidade, mostrando negatividade e amargura.
Enquanto a partir do sexto verso, existe uma espécie de interiorização do exterior, passa-se da pura interioridade para a admissão de dois mundos – o exterior e o interior – que comunicam através de “janelas secretas” com “ramos de violetas” e “uma noite de Primavera lá fora”. Na minha opinião o poeta tem grande dificuldade em ultrapassar o seu mundo interior, representado pelas “janelas secretas” e penetrar no mundo exterior, que é “a noite de Primavera lá fora”. Na quarta parte da Chuva Obliqua, bem como nas outras partes é possível ver-se a constante fragmentação do “eu”: ao longo do poema o sujeito poético revela-se duplo, na busca de sensações que lhe permitem antever a felicidade ansiada, mas inacessível. Mas também recria vivências que se interseccionam com outras que, por sua vez, dão origem a novas combinações de realidade/idealidade. A partir do sexto verso parece transparecer dos versos uma ideia de esperança de alcançar a felicidade entre os planos, mas é apenas uma “ideia” de esperança pois o poeta ortónimo, vive da transição de planos, e da dúvida.
A análise deste poema pode muito bem trazer-nos à ideia um quadro de pintura futurista, por exemplo, de Picasso, com todas as interações, desconexas e caóticas, de linhas e planos, “Chuva Obliqua” pode ter sido, pois, uma resposta lírica ao movimento futurista internacional, no campo da pintura, da escultura e da música, que tanto espantava e até atacava, o mundo cultural de então.

quinta-feira, 14 de março de 2013

APRESENTAÇÃO ORAL DE PORTUGUÊS - Abdicação




Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços
E chama-me teu filho.
Eu sou um rei que voluntariamente abandonei
O meu trono de sonhos e cansaços.

Minha espada, pesada a braços lassos,
Em mão viris e calmas entreguei;
E meu cetro e coroa – eu os deixei
Na antecâmara, feitos em pedaços.

Minha cota de malha, tão inútil,
Minhas esporas de um tinir tão fútil,
Deixei-as pela fria escadaria.

Despi a realeza, corpo e alma
E regressei à noite antiga e calma
Como a paisagem ao morrer do dia.

Fernando Pessoa
Diz-se que este poema é um relato exacto de como foi escrito e em que estado de espírito o autor estava quando o escreveu pois, segundo o que se sabe, Fernando Pessoa escreveu, em Fevereiro de 1913, uma carta a um amigo a contar o que se passava consigo, o que sentia e que ia escrever um poema.
Este poema de Fernando Pessoa é um soneto (14 versos) e aborda um tema bastante recorrente nos poemas de sua autoria – a noite e a solidão. No caso deste poema, a noite simboliza a solidão (que não era estranha a Pessoa pois fazia parte do seu dia-a-dia). É um poema bastante calmo devido ao sentimento que o autor tinha quando o escreveu.
O título deste poema –‘Abdicação’- está presente em todas as estrofes. Abdicar é desistir, ceder, e é algo que está presente em toda a obra. Este poema demonstra também dignidade devido ao facto de o poeta abdicar das suas coisas. Na 1ªestrofe podemos realçar os dois últimos versos –‘ Eu sou um rei que voluntariamente abandonei / O meu trono de sonhos e cansaços.’; na 2ªestrofe a presença de abdicação está nos verbos ‘entreguei’ e ‘deixei’; na 3ªestrofe podemos ter atenção no verbo ‘deixei-as’ e na 4ªestrofe são os verbos ‘despi’ e ‘regressei’ que remetem à abdicação. 

As Rosas Amo dos Jardins de Adônis

As Rosas amo dos jardins de Adônis,
Essas volucres amo, Lídia, rosas,
Que em o dia em que nascem,
Em esse dia morrem.
A luz para elas é eterna, porque
Nascem nascido já o sol, e acabam
Antes que Apolo deixe
O seu curso visível.
Assim façamos nossa vida um dia,
Inscientes, Lídia, voluntariamente
Que há noite antes e após
O pouco que duramos.

Volucres – que tem vida curta
Inscientes- não ciente, desconhecedor

Ricardo Reis, de todos os heterónimos, era conhecido por ser neoclassicista, ou seja, acredita nos Deuses e nas presenças divinas, e neste poema é feita uma referência a dois Deuses: Adónis e Apolo.
Adónis notabilizou-se por ser um excelente caçador. Foi amado por Vénus que sofreu o enorme desgosto quando Adónis foi morto por um javali. O mito de Adónis está ligado à origem da mirra e da rosa, plantas que nasceriam de uma gota do seu sangue.
Apolo era filho de Júpiter. Tinha como principal tarefa conduzir o Sol à volta do Universo. Era considerado deus da poesia, da música e das artes.
                Neste poema está bastante presente o carpe diem epicurista, característica também muito presente de Ricardo Reis, isto é, viver o presente sem pensar do antes e no depois.
                Considero que este poema se divide em três partes:
                1ª Parte: O sujeito poético diz amar as rosas dos jardins de Adónis
                2ª Parte: O sujeito poético explica a razão pela qual afirma amar essas mesmas rosas, sendo porque a luz para elas é eterna, visto nascerem ao nascer do Sol e morrerem antes do Sol de pôr.
                3ªParte: É uma parte mais apelativa onde o sujeito poético pede a Lídia que faça qualquer coisa, neste caso, pede que ela viva com ele o instante. É feita também uma transposição do que acontece às rosas para a sua vida.
                Nas três partes há uma sequencia lógica na medida em que a a 1ª e a 2ª parte estão ligadas como justificação e a 3ª é uma transposição do que acontece na Natureza para a vida de ambos.
                Também há uma inversão da ordem Natural neste poema, onde o sujeito poético ao escrever «Essas volucres amo, Lídia, rosas, Que em o dia em que nascem, Em esse dia morrem.» significa: Lídia, eu amo essas volucres rosas, que no mesmo dia que nascem, morrem.

Seguro assento na coluna firme [1]

Seguro assento na coluna firme
                Dos versos em que fico,
Nem temo o influxo inúmero futuro
                Dos tempos e do olvido;
Que a mente, quando, fixa, em si contempla
                Os reflexos do mundo,
Deles se plasma torna, e à arte o mundo
                Cria, que não a mente.
Assim na placa o externo instante grava
                Seu ser, durando nela

                Neste poema está igualmente presente o carpe diem, e o poema rege-se novamente por ele.
O sujeito poético cria, neste poema, uma ideia de não ter medo do tempo ou do esquecimento, uma vez que o instante vivido, e a sua essência ficarão sempre gravados nos seus poemas, como é visível nos versos 3 e 4 – 9 e 10, assim ele não tem medo de morrer pois é como se continuasse a viver através deles.
A mente cria o reflexo do mundo e torna-o em arte, como os poemas, e esta arte grava os instantes externos do mundo.
                 

Paúis- Fernando Pessoa (apresentação oral- conteúdo)


Paúis

Paúis de roçarem ânsias pela minh' alma em ouro...
Dobre longínquo de Outros Sinos... Empalidece o louro
Trigo na cinza do poente... Corre um frio carnal por minh' alma...
Tão sempre a mesma, a Hora!... Balouçar de cimos de palma!
Silêncio que as folhas fitam em nós... Outono delgado
Oh que mudo grito de ânsia põe garras na Hora!
Que pasmo de mim anseia por outra coisa que o que chora!
Estendo as mãos para além, mas ao estendê-las já vejo
Que não é aquilo que quero aquilo que desejo...
Címbalos de Imperfeição... Ó tão antiguidade
A Hora expulsa de si-Tempo! Onda de recuo que invade
O meu abandonar-se a mim próprio até desfalecer,
E recordar tanto o Eu presente que me sinto esquecer!...
Fluido de auréola, transparente de Foi, oco de ter-se.
O Mistério sabe-me a eu ser outro... Luar sobre o não conter-se...
A sentinela é hirta - a lança que finca no chão
É mais alta do que ela... Para que é tudo isto.... Dia chão...
Trepadeiras de despropósitos lambendo de Hora os Aléns...
Horizontes fechando os olhos ao espaço em que são elos de ferro...
Fanfarras de ópios de silêncios futuros... Longes trens...
Portões vistos longe... através de árvores... tão de ferro!




Análise Pessoal:
A "Hora" a que o sujeito poético se refere é como que uma personificação do tempo presente, do que aflige o poeta, como se fosse a sua própria prisão.
O poeta sente-se encarcerado no presente, que acabar por se tornar um prisioneiro de si mesmo. "Tão sempre a mesma hora" é equivalente a: sempre esta a minha angústia!
Quando o poeta afirma que "a Hora expulsa de si tempo", podemos interpretar que o tempo vai passando; mas acrescenta logo que isso é apenas como uma "onda de recuo que invade o seu abandonar-se a si próprio até desfalecer". Ou seja, o tempo pode passar mas a situação angustiosa do poeta (a sua “Hora”) permanece presente. Daí, "um mudo grito de ânsia põe garras na Hora", que demonstra a angústia pela permanência da sua Hora.
Os vários tempos (o passado, o futuro e o presente) estão bem marcados no poema. Referem-se ao passado: "dobre longínquo de outros Sinos", "Ó tão antiguidade", "onda de recuo que invade o meu abandonar-me a mim próprio até desfalecer". Sendo que esta última expressão pode acabar por nos remeter para a ideia que as memórias dos tempos passados também servem para alimentar a angústia do presente.
Referem-se ao futuro: "Estendo as mãos para além", "Trepadeiras de despropósito lambendo de Hora os Aléns", "...silêncios futuros...", "Longes trens...", "Portões vistos de longe... tão de ferro!" Com estas expressões sobre o futuro podemos compreender que o futuro também não traz uma noção de ‘descanso’ ao poeta, pois sente que o futuro está longe e barrado por portões de ferro. Podemos então entender que o poeta é não só um prisioneiro do espaço (pelos portões de ferro) mas também do tempo (pela impossibilidade do futuro).
O fulcro da angústia situa-se no presente, na Hora. Isto porque por mais que o poeta tente pensar no passado ou no futuro para se confortar ou ambicionar algo melhor, este continua carregado de desilusões. Este pode ser um indicador do porquê da letra maiúscula da Hora, esta é o presente que sintetiza o passado e o futuro.
Podemos então interpretar como uma das razões da angústia do poeta a sua fragmentação do Eu. Ou seja este sente-se dividido entre vários tempos e até entre vários espaços, nunca conseguindo encontrar a unificação.
É ainda importante realçar o facto de que tudo o que está contido neste poema não é uma espécie de lamentação do sujeito poético, mas antes apenas uma descrição do seu estado fragmentado.


Andreia Rosa, nº2 12ºE

sábado, 5 de janeiro de 2013

Poema "Conselho"


“Conselho” é um poema de Fernando Pessoa, publicado no mesmo mês que este falecera, pensando-se ser o seu último poema. É um poema que faz parte da poesia do ortónimo.

A poesia do ortónimo é uma tentativa de resposta a várias inquietações que perturbam o poeta. Pessoa recusa o mundo sensível, privilegiando o mundo inteligível, platónico, aquele a que ele não tem acesso, pela sensação de inquietação que sente face às suas perceções. Esta inquietação dá origem a uma poesia abrangente a várias tendências que vão desde a nostalgia dum bem perdido (infância) até ao interseccionismo impressionista. Uma das principais características do poeta ortónimo é a dor de pensar, expressa em tensões e dicotomias que espalham a sua complexidade interior.

É na escrita ortónimo, mais facilitada e abreviada, que aparecem os temas mais estranhos e misteriosos bem como a presença de temas como Pensar/Sentir; Sinceridade/Fingimento e Consciência/Inconsciência, é este último tema que o poema “conselho” vai dar mais importância.

Cerca de grandes muros quem te sonhas.
Depois, onde é visível o jardim
Através do portão de grade dada,
Põe quantas flores são as mais risonhas,
Para que te conheçam só assim.
Onde ninguém o vir não ponhas nada.

A primeira estrofe do poema, dá-nos claramente a ideia de inconsciência/interioridade e de consciência/exterioridade. O autor utiliza os sonhos para representar o nosso inconsciente, visto que é neste que eles se formam e são exclusivamente nossos, desta forma ele diz que devemos cercar o nosso interior de grandes murros, de modo a proteger os nossos sonhos, bem como os nossos pensamentos e nunca os revelar. Por outro lado, Pessoa utiliza as flores para representar o consciente, sendo flores algo bonito que toda a gente aprecia, o autor diz que devemos mostrar o nosso exterior, revelar aos mais próximos de nós quem realmente somos. As “flores risonhas”, representam as qualidades que devemos expor para os outros. Nesta estrofe, é também visível a preferência do autor, ao seu interior, ao seu “sonho de si próprio” do que ao exterior.

Faz canteiros como os que outros têm,
Onde os olhares possam entrever
O teu jardim como lho vais mostrar.
Mas onde és teu, e nunca o vê ninguém,
Deixa as flores que vêm do chão crescer
É deixa as ervas naturais medrar.

A segunda estrofe reforça a ideia iniciada por Fernando Pessoa na primeira estrofe, nos três primeiros versos, Pessoa diz que devemo-nos misturar com a multidão, que devemos seguir a corrente, “Faz canteiros como os que outros têm”, é nossa obrigação plantar flores nos nossos jardins, tal como os outros fazem. Os três últimos versos dizem exatamente o contrário em relação ai interior/inconsciente. O “onde és teu”, é um lugar qua apenas nós devemos aceder e é nosso dever recalcar os sonhos e pensamentos mais íntimos, para que ninguém se aperceba da sua existência. É nesse local que tudo pode crescer livre, ou seja, que os sonhos podem crescer e se realizar.

Faz de ti um duplo ser guardado;
E que ninguém, que veja e fite, possa
Saber mais que um jardim de quem tu és –
Um jardim ostensivo e reservado,
Por trás do qual a flor nativa roça
A erva tão pobre que nem tu a vês…

Por fim a ultima estrofe, que revela estes dois mundos, o exterior e o interior, sendo indispensáveis um ao outro. “Faz de ti um duplo guardado”, cada um tem de atuar como um agente secreto, onde a sua missão é utilizar um disfarce para proteger a sua verdadeira identidade, o seu verdadeiro “eu”. Enquanto o exterior serve-se de uma aparência, indispensável para o quotidiano, é no interior onde o céu não é o limite, onde crescem sonhos e pensamentos, como se lhe dessemos adobo, mas que nunca podem ser revelados, pois se estes pensamentos saíssem para o exterior, seria como ver crescer ervas doninhas, no meio de jardins perfeitos cheios de flores harmoniosas.

Depois de analisar-mos o poema, verso a verso, é fácil entender a escolha de Fernando Pessoa, quanto ao título, este poema serve como um conselho por parte do autor, após tantos anos de vida, Pessoa, queria deixar a sua opinião do funcionamento do mundo. Assim, na minha opinião este poema, serve como uma chave para toda a leitura de Fernando Pessoa, sendo como uma introspeção que o autor faz a si próprio no fim da sua vida, parecendo até que adivinhava que se avizinhava a sua morte.

Maria Carmo