terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Análise dos poemas “António Vieira” e “Screvo o meu livro à beira-mágoa”



 “António Vieira”

Neste poema, Fernando Pessoa qualifica António Vieira como o maior orador do seu tempo, notável estilista da prosa portuguesa como se denota no verso “ imperador da língua portuguesa”.
Quando Pessoa diz “surge, prenúncio claro do luar, El-rei D.Sebastião” refere-se aos escritos do Padre António Vieira referente às esperanças de Portugal que um grande rei conduziria a um futuro Quinto Império Mundo. Baseia-se também nas profecias de Bandarra que anunciava o regresso do rei D.Sebastião.
Pessoa tem um momento em que afirma “foi-nos um céu também”, ou seja, designa António Vieira como um céu estrelado dos portugueses, grandioso, trazendo assim, grandiosidade à Língua Portuguesa.
No verso “Mas não, não é luar: é luz do etéreo”, o poeta diz que não é o luar, ou seja, o final do dia, referindo-se ao Império Material das Índias mas a luz celeste, o começo de um novo dia, um Império Espiritual, o Quinto Império.



“Screvo o meu livro à beira-mágoa”

Este é um poema sebastianista. Neste, o poeta, na sua mágoa, preenche os dias refugiando-se no mito de um Salvador que há-de vir redimi-lo e realizar o sonho português de há muitas eras. Embora ciente da sua existência apenas do sentir e pensar, arremete-o a dúvida de quando será a sua vinda.
Este poema divide-se em duas partes:
A primeira resume-se aos primeiros seis versos. O poeta fala da sua tristeza e da sua única consolação – a crença de um “Senhor” que é a única entidade capaz de lhe devolver a confiança no futuro e preencher os seus “dias vácuos”.
Já a segunda parte é constituída por várias perguntas introduzidas por “Quando” e dirigidas a uma entidade mítica (Rei, Senhor, Hora, Cristo, Encoberto, Sonho), invocando a sua vinda rápida, sendo esta a única maneira de materializar os sonhos centenários e de o poeta se libertar do contingente, do incerto e de alcançar “Novas Terras” e “Novos Céus”.


Rita Cruz, Nº26, 12ºE

sábado, 1 de dezembro de 2012

V - O TIMBRE

A Cabeça do Grifo/ O Infante D.Henrique

Em seu trono entre o brilho das esferas,
Com seu manto de noite e solidão,
Tem aos pés o mar novo e as mortas eras -
O único imperador que tem, deveras,
O globo mundo em sua mão.

O poema tem como título, A Cabeça do Grifo - O Infante D.Henrique, este animal é um simbolo da condição de herói, assim, pudemos então concluir que o poeta considera o Infante como um herói.
O Infante D.Henrique era filho de D.João I e da rainha D.Filipa de Lencastre e foi um importante navegador da história de Portugal, tendo os seus marinheiros descoberto os Açores e a Madeira.
Este poema quanto à sua estrutura externa caracteriza-se por ter uma rima cruzada, emparelhada e interpolada.

"Com seu manto de noite e solidão"
O Infante D.Henrique encontra-se sozinho e era durante a noite que este gostava de desenhar os seus planos de descoberta.

"Tem aos pés o mar novo e as mortas eras"
O Infante tem aos seus pés o mar acabado de descobrir e a Idade das Trevas, "...mortas eras", acabou, devido ao avanço do conhecimento científico.

"O único imperador que tem, deveras"
Ele é "o único imperador" que tem o mundo nas suas mãos.

"O globo mundo em sua mão"
Apenas ele tem o conhecimento das terras descobertas e das que estão ainda por descobrir.


Uma Asa do Grifo/ D.João O Segundo

Braços cruzados, fita além do mar.
Parece em promontório uma alta serra -
O limite da terra a dominar
O mar que possa haver além da terra.

Seu formidável vulto solitário
Enche de estar presente o mar e o céu,
E parece temer o mundo vário
Que ele abra os braços e lhe rasgue o véu.

O Grifo pode também ser um símbolo do conhecido e do desconhecido, o que se pode aplicar a D.João II por ter ido além do que se conhecia na altura.
A cabeça do grifo é referente ao Infante D.Henrique, no entanto para as suas ideias/sonhos se realizarem, era necessário alguém que lhes desse continuidade, ou seja, eram precisas asas, sendo uma destas, D. João II, que assumiu a direcção da expansão marítima e teve o plano de dobrar o Cabo da Boa Esperança, de forma a obter a rota marítima para a Índia.
Nos Lusíadas, encontram-se algumas referências a este rei no canto V e VIII, mas não lhe é dada muita importância, porque simplesmente pôs em prática aquilo que outros, como o Infante D.Henrique, já tinham pensado, sendo dessa forma mais fácil seguir as suas "pegadas".

Na 1ªestrofe é destacado o poder da vontade, como é exemplo logo no primeiro verso, "Braços cruzados, fita além do mar", que quer dizer que D.João II não está a usar a força, mas sim a vontade para encontrar o caminho marítimo para a Índia.
"Promontório"
É o limite referido nos dois últimos versos, "O limite da terra a dominar/O mar que possa haver além da terra" e que ele próprio o tenta exapndir.

2ª Estrofe
"formidável vulto solitário"
É um elogio de Pessoa, a todos os heróis solitários de Portugal, pois são estes que lutam a favor de Portugal.
Os últimos três versos referem-se ao facto de, D.João II ter ido à descoberta por mares nunca antes navegados e terras que eram também desconhecidas. O que faz com que o mundo tenha medo que este rei, devido à sua vontade descubra os mistérios deste, "E parece temer o mundo vário/Que ele abra os braços e lhe rasgue o véu."




quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Mensagem


PRIMEIRA PARTE: BRASÃO
Bellum sine bello.

V. O TIMBRE
A OUTRA ASA DO GRIFO / AFONSO DE ALBUQUEROUE

De pé, sobre os países conquistados
Desce os olhos cansados
De ver o mundo e a injustiça e a sorte.
Não pensa em vida ou morte
Tão poderoso que não quer o quanto
Pode, que o querer tanto
Calcara mais do que o submisso mundo
Sob o seu passo fundo.
Três impérios do chão lhe a Sorte apanha.
Criou-os como quem desdenha.

            Afonso de Albuquerque nasceu em 1453 e faleceu em 1515. Foi um fidalgo, militar e o segundo governador da Índia portuguesa cujas acções militares e políticas foram determinantes para o estabelecimento do império português no Oceano Índico. Pouco antes da sua morte foi agraciado com o título de vice-rei e "Duque de Goa" pelo Rei D. Manuel I, que nunca usufruiu, no que foi o primeiro português a receber um título de além-mar e o primeiro duque nascido fora da família real. Foi o segundo europeu a fundar uma cidade na Ásia, o primeiro foi Alexandre, O Grande.
            O poema centra-se no desempenho de Afonso de Albuquerque na Ásia, por contrapartida com o seu descrédito na corte de Lisboa motivado por invejas.

"tão poderoso que não quer o quanto pode, que o querer tanto calcara mais do que o mundo sob o seu passo"
Albuquerque podia até ter-se proclamado imperador, mas sempre foi súbdito fiel do Rei D.Manuel. Não queria o quanto podia porque o seu sucesso lhe pesava mais sobre os ombros (por ter perdido o favor real) do que a conquista pesara aos povos submetidos.

"três impérios lhe a Sorte apanha"
Refere-se às conquistas de Goa (na Índia), Malaca (na Malásia) e Ormuz, no Golfo Pérsico.

"apanha-os como quem desdenha"
Submete-os como se isso fosse coisa de pouca monta.

SEGUNDA PARTE: MAR PORTUGUEZ
Possessio maris.
I. O INFANTE

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,
E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.
Quem te sagrou criou-te portuguez..
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!

"Foste desvendando a espuma e a orla branca foi de ilha em continente..."
A espuma das ondas que acabam nas praias ou rebentam contra os rochedos marca as costas com uma orla branca. A frase anterior é uma forma poética de dizer que as costas foram sendo descobertas, primeiro as ilhas e depois os continentes, "até ao fim do mundo".

"Quem te sagrou criou-te português"
Porque, segundo Fernando Pessoa, Deus fadou Portugal para um magno destino e o Infante foi, por assim dizer, parte do "puzzle".

"Do mar e nós, em ti nos deu sinal"
Através de ti revelou-nos que o nosso destino era o Mar.

"Cumpriu-se o Mar e o Império se desfez...falta cumprir-se Portugal"
Cumpriu-se o destinado: o Mar foi desvendado; o Império Português (isto é, o controle das rotas oceânicas e a hegemonia no Índico) desfez-se. Pessoa pensa que Portugal está destinado à grandeza futura, e isso ainda não se cumpriu!



Poemas “Ocidente” e “Fernão de Magalhães” da Mensagem de Fernando Pessoa
Análise dos poemas
Ocidente
Este poema de Fernando Pessoa descreve a descoberta das terras do ocidente, mais concretamente a descoberta do Brasil.
Na primeira estrofe é possível analisarmos a referência do corpo e da alma deste acontecimento, tal como se vai assistindo ao longo do poema.
“Acto e Destino” são, segundo Fernando Pessoa, as duas mãos que fizeram a descoberta destas novas terras. No meu ver, o Acto refere-se à acção dos portugueses, à coragem e à bravura dos mesmos. O Destino remete-me para a força e a vontade de Deus para a descoberta de novas terras, e a protecção divina relativamente aos portugueses, para que a descoberta se pudesse concretizar (Protecção divina, tal como nos Lusíadas). Assim, interpreto que a obra dos portugueses foi a corporização da vontade de Deus.
Ainda na primeira estrofe, assistimos à referência de um facho, segurado por uma mão, que aponta para as terras desvendadas. O facho ilumina as terras desvendadas, focando o descoberto, o novo. Pode também simbolizar o Divino. A outra mão afasta o véu que escondia aquelas ilhas, simbolizando a descoberta do desconhecido, e a destruição da dúvida relativamente à existência de terras no ocidente.
Na segunda estrofe sugere o acto da descoberta. “A mão que ao Ocidente o véu rasgou”, isto é, o ocidente foi “destapado”, passou de desconhecido a conhecido.
Nesta estrofe Fernando pessoa volta a identificar o corpo e a alma deste feito, sendo desta vez a Ciência a alma e a Ousadia o corpo. Assim, a ciência, ou seja, todo o saber e o conhecimento dos navegadores portugueses simbolizam a alma da descoberta. Por outro lado, a Ousadia, a bravura e determinação dos portugueses simbolizam o corpo da mesma.
Na Terceira e última estrofe, o poeta afirma “Fosse Acaso, ou Vontade, ou Temporal (…) Foi Deus a alma e o corpo Portugal”. Isto é, quer esta descoberta se tenho dado por puro acaso, por vontade e determinação dos portugueses, ou por um temporal que tenha desviado os navios em direcção àquelas terras, Deus foi a alma, a vontade da realização desta descoberta. E os portugueses foram os heróis, os destemidos que a realizaram, e que deste modo descobriram o Brasil.

Fernão de Magalhães
Fernão de Magalhães foi um navegador português. Este iniciou uma circum-navegação. Passou pelo estreito, hoje conhecido como Estreito de Magalhães, onde perdurou durante algum tempo. Navegou pelo Oceano Pacifico, e durante toda a viagem perdeu uma boa parte da sua tripulação, assistiu a revoltas dos marinheiros, a naufrágios de três dos seus navios. Passou por fome, sede, e doenças como o escorbuto. Quando chegou às Filipinas- Cebu- Fernão de Magalhães iniciou trocas comerciais e foi muito bem recebido e acolhido pelo chefe local.
Este por sua vez, andava em guerra com o chefe local de Mactan, e foi ao ajudá-lo numa batalha que Fernão de Magalhães perdeu a vida.
Este poema, de Fernando Pessoa, incide não nos feitos propriamente ditos de Fernão de Magalhães, mas sim na sua morte.
Para entendermos melhor este poema, é necessário saber que os assassinos de Magalhães foram os Nativos de Mactan, durante uma batalha.
Na primeira estrofe do poema, podemos concretizar a ideia de um ritual, feito pelos nativos, festejando a morte do marinheiro. As referências à “Fogueira” e à “Dança” destes nativos, remeteram-me para a presença dos nativos e a festa realizada pelos mesmos, respectivamente.
Esta primeira estrofe é bastante descritiva, apresentando uma caracterização de todo o ritual e festejo dos nativos, e do local onde se passa o ritual (um vale).
Na segunda estrofe Fernando Pessoa refere-se aos nativos como “Titãs”. Estes eram seres míticos, considerados selvagens. Refere-se novamente à dança, e ao ritual em “honra” da morte de um marinheiro que merecia ser glorificado!
Nesta estrofe, Fernão de Magalhães é caracterizado como o “Primeiros” dos homens, que se cingia, protegia e pretendia ser leal àquele que o acolheu naquelas terras (Cebu). Fernão de Magalhães é situado no último verso, “Na praia, ao longe, sepultado”.
Na terceira estrofe, volta-se a fazer referência ao festejo após a morte de Fernão de Magalhães, por parte dos nativos que o assassinaram. Desta vez, Fernando Pessoa, despreza os nativos.
“Nem sabem que a alma ousada
Do morto ainda comanda a armada”
Assim, a força e bravura deste marinheiro influenciou o espirito de toda a armada. Este destemido marinheiro ficou na memória de todos. O seu espirito nobre e heróico, os seus grandes feitos ficou para a história. Os nativos, ignorantes, não reconhecem estes feitos e festejam como se nada fosse.
Na quarta e última estrofe é afirmado por Fernando Pessoa que Fernão Magalhães “Violou a Terra”, ou seja, encheu-se de conhecimento de todo o mundo. Com a sua bravura, determinação e coragem rompeu todas as barreiras.
Aqui, Fernando Pessoa volta a desprezar os nativos. Determina-os como ignorantes, que não reconhecem a importância dos feitos de Fernão de Magalhães.
“Dançam na solidão” – estão sós, presos à ignorância, não têm saber. E dançam, festejando.
Por último, é feita uma referência aos “Mudos montes” que rodeiam estes nativos. Aqui, podemos interpretar “mudos montes”, como a falta de sabedoria e a ignorância que rodeia os nativos. Estes estão rodeados de nada. E por isto, festejam.

Mariana Dinis, 17

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

D. Afonso Henriques / D. Dinis


QUINTO/ D. AFONSO HENRIQUES

Pai, foste cavaleiro,
Hoje a vigília é nossa.
Dá-nos o exemplo inteiro
E a tua inteira força!

Dá, contra a hora em que, errada,
Novos infiéis vençam,
A bênção como espada,
A espada como bênção!

Neste podemos observar a descrição de D. Afonso Henriques e dos seus grandes feitos.
Na 1º estrofe, D. Afonso Henriques é chamado de ‘Pai’, remetendo-se para o sentido de D. Afonso Henriques ter conquistado o condado portucalense na batalha de Ourique, disputada com o rei de Castelo. D. Afonso Henriques é caracterizado como o pai de Portugal, sendo o responsável pela sua independência e pela liberdade dos portugueses. A palavra ‘cavaleiro’ utilizada para o descrever, remete-nos para os valores de coragem e honra que D. Afonso Henriques possuía.
Observa-mos também nesta estrofe, um vocativo. Na sua vigília (oração em que esperam por algo), os portugueses apelam para que D. Afonso Henriques lhes dê força e o exemplo.

Na 2º estrofe podemos observar novamente um vocativo por parte do povo português, apelando pela sua bênção como uma arma/ força, e a espada como coragem.

Podemos relacionar este poema com o poema anterior D. Tareja, na medida em que possuem um discurso vocativo semelhante.
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SEXTO / D. DINIS

Na noite escreve um seu Cantar de Amigo
O plantador de naus a haver,
E ouve um silêncio múrmuro consigo:
É o rumor dos pinhais que, como um trigo
De Império, ondulam sem se poder ver.
Arroio, esse cantar, jovem e puro,
Busca o oceano por achar;
E a fala dos pinhais, marulho obscuro,
É o som presente desse mar futuro,
É a voz da terra ansiando pelo mar.

Neste poema é nos apresentado as características e grandes feitos de D.Dinis.
Na 1º estrofe é nos apresentado o seu culto pela escrita e pela cultura (1º verso).
É também remetida a relação com o seu cognome ‘lavrador’ pois foi este que plantou o pinhal de Leiria que deu a madeira necessária à criação das naus que foram usadas para os descobrimentos, podemos observar neste exemplo a capacidade visionária de D. Dinis.
Nesta estrofe aparece também a ideia de profetização (verso 3). A expressão de ‘ouve um silêncio múrmuro consigo’ corresponde ao som as ondas que D. Dinis escuta, profetizando os descobrimentos.

Na 2º estrofe, D. Dinis é descrito como um arroio, um pequeno e jovem rio numa nova e jovem nação.
De novo está presente a ideia do futuro e do destino dos portugueses. No último verso, podemos observar a ideia dos heróis portugueses ansiando pelo mar, pelas descobertas e pela sua glória.
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Relação com os Lusíadas:
D. Dinis nos Lusíadas é descrito como um homem mais ‘terreno’ procurando o desenvolvimento do seu país , através de obras públicas.
Pelo contrário, na Mensagem, é observada uma mitificação de D. Dinis como um profeta que espera e prevê o glorioso futuro do povo português.

domingo, 25 de novembro de 2012

Mensagem


A obra de Fernando Pessoa está dividida em duas partes. Na primeira divisão constam poemas que respeitam à morfologia de Portugal e à história da sua primeira dinastia. Na segunda, chamada “O Mar Português”, estão contidas considerações acerca da bravura dos navegadores portugueses que com curiosidade exploram o mar. Procede-se à exaltação dos feitos heróicos dos navegadores corajosos que são celebrados, não individualmente, mas como uma pátria que através da transcendência se pôde imortalizar.

O Mostrengo

Quanto à estrutura formal do poema, pode constatar-se que é constituído por três estrofes, cada uma delas com nove versos. Estes são compostos segundo o esquema rimático aabaacdcd.
O assunto abordado é a chegada ao Cabo das Tormentas. Este cabo, à época nunca ultrapassado, é afamado pelo perigo que lhe é inerente. As histórias largamente difundidas, que constituíam lendas populares acerca de monstros devoradores de naus, faziam com que este cabo se encontrasse envolto num misto de enigma e assombro. Quando os portugueses aí chegam, no sul de África, uma personificação desse terror surge com o Mostrengo correspondente ao Adamastor em Os Lusíadas (Canto V;37-60)
Embora em Os Lusíadas se comprove uma descrição mais detalhada deste monstro, na obra da Mensagem é possível apreender que o Mostrengo é igualmente assustador. Os eventos nas duas obras são semelhantes; o Mostrengo e o adamastor rodeiam as naus sendo olhados com desconfiança e temor. A insistência na interrogação, por parte do mesmo que sente invadidas as águas da sua posse, tentando perceber a mando de quem é que aquelas naus ali se encontram, e a repetida afirmação do nome de D. João II serve para demonstrar o carácter heróico dos portugueses que, apesar de aterrorizados, respondem assertivamente ao enfrentar o Mostrengo. O homem que vai ao leme e que responde assume uma dimensão heróica, não só individual, mas também colectiva já que representa uma inteira pátria com um objectivo a atingir. Esta ideia poderá ser confirmada através da leitura da terceira estrofe; aqui presente a vontade de possuir o mar.
A introdução da figura do Mostrengo tão horrível e corpulento tem como finalidade realçar a condição humana que é tão frágil, mas que ao mesmo tempo tão poderosa. Por um lado, está sujeita a estas ameaças, mas por outro, o ultrapassar dessas dificuldades concede um estatuto mítico a quem por elas passa. Este poema confirma o facto de os portugueses terem enfrentado vicissitudes ao longo das suas viagens e a coragem com que contra elas lutam.

Epitáfio de Bartolomeu Dias

Este poema, constituído por uma estrofe cujos versos seguem um esquema rimático de abab, consiste na dedicação de algumas palavras de homenagem a Bartolomeu Dias. Fernando Pessoa sugere um epitáfio; poema, citação, ou pequeno texto, que se grava nos túmulos das pessoas falecidas. Logo na primeira estrofe é feita uma referência à localização geográfica de Portugal: “pequena praia extrema”. Seguidamente existe uma referência à passagem do Cabo das Tormentas que ocorreu sob o comando de Bartolomeu Dias, o Capitão do Fim. Quando este cabo é ultrapassado, as dúvidas que pairavam sobre a exequibilidade deste feito desapareceram. O autor faz ainda uma referência a Atlas, personagem mítica, um titã cujo castigo seria carregar a esfera celeste aos seus ombros. Em Mensagem, Atlas suporta, em vez dos céus, o Mundo e com esta alteração pretende-se afirmar a esfericidade da Terra de que, ainda no século XV, se duvidava.

Analise dos poemas “o Infante” e “ Horizonte”

O “Infante” é o primeiro poema da segunda parte de Mensagem, este poema funciona como uma semente do que se seguirá. Este poema é dividido em três partes, a primeira remete apenas para o primeiro verso da primeira estrofe.
“Deus quer, o homem sonha, a obra nasce” Neste verso, esta contido o conceito de homem. O simbolo do Homem universal, que realiza o sonho por vontade divina: ele reune todos as qualidades, virtudes e valores para ser o intermediario entre os homens e Deus. Este conceito também esta na mesma linha do conceito descrito por Camões nos Lusiadas, onde os homens honrosos alçancaram a imortalidade, pelo seu esforço e sofrimento.
A segunda parte do poema, vai desde o segundo verso da 1ª estrofe até ao fim da 2ª. D
Nesta é nós apresentado a vontade de Deus, o seu desejo e unir toda terra pelo mar, confiando essa misssão ao Infante,_”Sagrou-te, e foste desvendando a espuma”. O verso reforça a ideia de Infante D. Henrique como o herói mítico, aquele que Deus manipula quase como uma marioneta, o que obedece as suas ordens, cumprindo a missão que lhe é destinada, que consistia em desvendar os mares_”Que o mar unisse”_ e descobrir que a terra era redonda, _”E viu-se a terra inteira, de repente. Surgir redonda, do azul profundo”.
Na última parte do poema esta contida na última estrofe. Os dois ultimos versos do poema oscilam entre e euforia da constatação da grandeza do passado _ “cumpriu-se o Mar”_, o desencanto do presente _ “e o imperio se desfez”_ e o apelo à construção de um Portugal novo, numa já clara alusão ao mito do quinto Imperio_”Senhor, falta cumprir-se Portugal”. Este Imperio é de natureza espiritual e sera construido por homens purificados, ou seja, homens honrosos que Deus escolhe pelas suas grandezas e virtudes.

O Horizonte:

O poema “Horizonte” inicia-se com uma apóstrofe que evoca um mar anterior ao Portugal das descobertas. Partindo desde pressuposto, Pessoa sublinha, o contraste entre o mar desconhecido e assustador _”anterior a nós”_ onde “noite”, “cerração” e “misterio” têm uma conotação negativa e o mar novo, onde “coral”, “praias” e “arvoredos” têm uma conotação positiva. Nos dois ultimos versos da primeira estrofe há uma referência à beleza e o fascionio da conquista do “Longe” e ao valor oculto dos versos_ “o sul sidério/ Splendia sobre as naus de iniciação”, em que as viagens das descobertas não são apenas maritimas, mas viagens iniciativas, de demanda de um conhecimento superior.
Na segunda estrofe há uma descoberta progressiva e gradual do Longe: “ se aproxima”, “ergue-se”, “Mais perto, abre-se”, “no desenbarcar. há”. Fernando Pessoa sublinha que o abstrato concretiza-se em “encosta”, “arvores”, “sons e cores”, “aves, flores”, tudo o que foi descoberto.
Na ultima estrofe, é apresentada uma definição de o “sonho”. O Sonho é procurar alcançar o que esta mais além, é o esforço para chegar mais longe. Animado da “esp´ranca e da vontade”, conduz à conquista da “ Verdade” (a maiúscula reforça o absoluto da verdade etapa última de qualquer demanda). Visto que o sonho é aceder à
verdade, sendo que esta constitui o premio de quem por ela se esforça. O premio, a recompensa, refere-se aos “beijos merecidos” que esta relacionada com a Ilha dos Amores na epopeia camoniana. Onde esta ilha reprezenta o premio para aqueles homens honrosos que arriscaram a sua vida por um bem maior, os descobrimentos. Neste sentido a verdade é a recompensa dos Homens na Mensagem de Fernando Pessoa.

Maria Carmo

sábado, 27 de outubro de 2012

'Non', ou a Vã Glória de Mandar [Filme Completo]

Mensagem Um


Agostinho da Silva, Um Fernando Pessoa
 MENSAGEM UM

Àqueles a quem, não querendo mal, também especialmente não amam concedem os deuses uma vida fácil e benigna, que os faz, a eles e aos restantes, acreditar em protecção celeste; aos outros, porém, àqueles cuja carreira se vê essencial aos destinos do mundo, vendem os deuses, e bem caro, todos os dons de que os cumularam; e, porventura, o preço mais alto que reclamam de sua mercadoria é o de, a cada momento realmente importante da vida, nada disporem como que de maneira fatal, deixando que o seu amado possa, em plena liberdade, escolher o que mais é de seu agrado; e aqui a maior parte se perde: porque à chama que os tornaria celestes preferem a temperada medianidade que para sempre os prende à Terra.
Começa logo a escolha pela Pátria. Para a grande maioria dos homens, se apresenta a Pátria apenas como um acidente ou um acaso físico: são de onde nascem, e, a pouco e pouco, a convivência dos pais, de seus conterrâneos, mais tarde a Escola e o estado, os dois grandes organismos encarregados essencialmente de não deixar ninguém escapar das malhas do exército social, os vão gradual e realmente convencendo de que não poderiam ter nascido noutro lugar e de que uma escolha futura que livremente pudessem fazer representaria sempre e de qualquer modo uma diminuição ou uma traição. A outros, no entanto, e porque são amados dos deuses, se apresenta o caso de modo diferente: a vida, mostrando à superfície, como circunstância, o que é meditado e deliberado propósito de quem rege a História, os encaminha à escolha que decidirá os seus destinos: o de resplandecer num véu de glória, que é quase sempre, visto por dentro, um véu de lágrimas, ou o de ser jogado fora como um vaso de oleiro que mentiu, pela má qualidade do barro, à diligente regularidade da roda e à inventiva agilidade do gesto. Quem pode, em raro jogo, escolher o seu País por aí mesmo está escolhendo a sua vida: uma vida que dele mesmo se vai alimentar.
Para Fernando Pessoa, cuja existência se iria desenrolar, tanto quanto se poderia prever, no Portugal de seus tempos, isto é, no ponto mais baixo que poderia atingir a descendente curva da austera, apagada e vil tristeza, a alternativa apresentada foi a mais tentadora que se poderia imaginar: a da Inglaterra, e a de uma Inglaterra apreendida na sua história e na sua cultura. Por uma daquelas pequenas resoluções que movem depois as grandes molas, poderia Fernando Pessoa ter passado inteiramente ao domínio inglês e nele se afirmado como um homem de Império, já que o encontro se cumpria na África, ou como um homem de Universidade, já que o encontro era igualmente num ambiente à Walter Pater, com imaginários retratos de Inglaterra elisabeteana mascarando uma outra que apenas procurava colocar seus capitais e manter pela força os seus mercados. Numa ou noutra carreira, teria Fernando Pessoa sido célebre: as críticas a seus poemas ingleses seriam apenas o prenúncio do que outros críticos viriam a escrever; um outro Conrad, noutro domínio, se incorporaria à literatura inglesa; apenas isso, porém.
O que, no entanto, acontecia era que iam mais alto as ambições de Pessoa e penetrava a sua inteligência mais longe do que a dos estadistas ingleses. Era o mundo mais nobre, mais humano e mais divino, do que o supunha a Inglaterra e jamais se resignaria a aceitar como permanente, apesar de todas as suas excelências sobre os outros, apesar de não ter constituição escrita, apesar de tender já a uma Comunidade de nações livres, um império que, na base de tudo, mantinha as duas noções e invenções diabólicas da força e do lucro. No fim de contas, o melhor que a Inglaterra lançava sobre o universo já Portugal o fizera, muito antes dela; e Portugal porque não era de nenhuma Igreja reformada, porque se mantivera fiel a Roma e à fraternidade católica, porque nunca fora sequaz de uma ciência que tendia apenas a dominar, de uma economia que tendia apenas a explorar e de uma política que não era outra coisa senão de origem maquiavélica, deixara aberta, apesar das suas falhas, uma esperança para o futuro: a de que o seu império do mar fora apenas o primeiro passo, por isso mesmo ainda físico e político, de uma acção que depois a Europa, incompreensiva como sempre, lhe viria cortar: a de trazer para o mundo aquele Reino que milhões de homens quotidianamente imploram em vão.
Vai, pois, Fernando Pessoa, deliberadamente, confirmar o acaso físico: vai nascer português porque tem a convicção de que Deus não pode abandonar seu outro povo eleito e de que, passado o domínio da Europa, quando a técnica tiver esgotado todas as suas possibilidades, quando a economia protestante se verificar plenamente anti-humana, quando a centralização estatal se revelar estéril, Portugal virá de novo construir o seu mundo de paz, por maior que tenha de ser o seu sacrifício: mundo de uma paz que não surja como a Romana ou a Inglesa, do exterior para o interior, de um César para os seus súbditos, dos tribunais para os corpos; paz que se realize antes de tudo nas almas, lei que seja inteiramente não escrita e, no melhor de si, informulada; Reino de Deus que surja pela transformação interior do homem.
É como uma justificação e uma explicação deste seu acto fundamental de vida que Fernando Pessoa, pacientemente, vai durante quase duas dezenas de anos escrevendo Mensagem, sem dúvida a mais importante de suas obras plenamente emparelhando com Fernão Lopes, Os Lusíadas, D. João de Castro e a História do Futuro na compreensão do que verdadeiramente é Portugal; pela inteligência e entendimento fundamentais que enformam toda a obra e por ter posto mais claro do que Camões na Ilha dos Amores a concepção de um verdadeiro Império Português ou Quinto Império, veríamos até Mensagem como de importância superior à dos Lusíadas: no total, o não é, porque inutilmente procuramos na obra de Pessoa traços daquela espantosa e eloquente vitalidade de Camões, daquela ígnea personalidade que em si ardendo destruía todos os círculos limitadores que ele próprio ou os outros tentavam traçar à sua volta; a diferença que há entre Camões e Pessoa é a diferença que há entre um homem e a sua inteligência: mas esta, em Pessoa, mais clara e penetrantemente brilhava; foi mais compreensiva quanto ao Passado estático e ao Passado dinâmico, tão incisiva como a de Camões quanto ao Presente e muito mais aguda na previsão do Futuro.
A primeira ideia que nos dá Pessoa é a de que há um certo passado de Portugal que não é de natureza puramente histórica: é apenas uma revelação no passado do que é em Portugal uma perenidade; o apuramento dessa perenidade constitui o conteúdo da primeira parte do poema, aquilo a que Pessoa chamou justamente Brasão, mas que não é para ele brasão de túmulo, ou brasão daqueles palácios em ruínas que foram obsessão de Gomes Leal: o seu Brasão é a nobreza em cerne, é a essência do ser fidalgo de Portugal. Quando agir, será no Passado, a segunda parte do Poema, Mar Português, e, no Futuro, a terceira parte, O Encoberto. Brasão terá como lema Bellum sine bello: é a potência sem o acto, a energia sem a matéria, a História sem o tempo: Deus, vendo Portugal em Si eterno, escreveria Brasão. Mar Português é o acto que não esgota a potência, a matéria que não apaga a energia, o tempo que não liquida a História: por isso é apenas a Possessio Maris que o Poeta lhe deu por lema: é Portugal podendo apenas uma mínima parte do que pode; não se entregando todo e, portanto, apenas possuindo; em Mar Português, Portugal Tem, não É. Em O Encoberto, porém, toda a sua grandeza se revela: e o descerramento desta sua glória é quase a renovação, agora de homens para homens, do clamor antigo dos anjos, quando o Céu fez, por uma Terra que deles se desaviera, o sacrifício supremo de si próprio: Pax in excelsis; paz nas alturas em que o homem, indo além de si mesmo, se faz Santo; não a paz em que o homem, rendendo-se, organiza, explora e defende sua própria baixeza.
Em Brasão, Portugal é o rosto com que a Europa fita um Ocidente que, ao plenamente ser, justificará todo o passado de miséria que a humanidade tiver atravessado; a missão de Portugal não poderá ser outra senão a de resgatar o que a Europa fez e de a salvar a seus próprios olhos; por isso o seu campo, o dos Castelos, é o que serve de base ao das Quinas, o das Chagas de Cristo, este o campo próprio de Portugal: é expirando na cruz, esgotando-se no seu sangue e na sua piedade, que Portugal poderá salvar o mundo. No dos Castelos, porém, Portugal porá, como seu alicerce, o que de mais fundamental a Europa poderá ter dado ao mundo: com Ulisses, a ideia de que o mito é mais importante do que a realidade, de que o poder vir a ser é o substracto do que é, de que as coisas morrem à medida que são; com Viriato, a de que a verdadeira força propulsora da vida não é a inteligência, mas a reminiscência, e de que o ponto criador não é a definição, mas o pressentimento; com o Conde D. Henrique a de que a acção, se Deus é o agente, se faz para além das intenções e das possibilidades do herói, consistindo o heroísmo apenas em não se recusar o que não se compreende; com D. Tareja, juntamente com a da contemporaneidade do temporal e do eterno, a de que o dever perante a obra consiste em a ela se dedicar com a bruta e natural certeza com que a mãe amamenta a seu filho; com D. Afonso Henriques, a de que, para se vencerem infiéis, só vale uma indefinível arma, que, espinosianamente, tenha como um dos aspectos o da espada e como outro o da bênção, como um, o do corpo, como outro, o do espírito; com D. Dinis, a de que a intuição poética vale mais do que o plano; com o sétimo castelo, o que junta D. João e D. Filipa, o que se afirma é que a História, ao ser, toma dois aspectos: o do homem e o da obra, sendo as modificações de qualquer desses o reflexo das modificações do outro; e ainda, que o milagre da concepção humana consiste em que cada filho, sendo de seus pais, não tem ao mesmo tempo nada que ver com eles: a cada nova geração reafirma o Espírito Santo a liberdade de criar. A Europa em que Portugal assenta não é, felizmente, a Europa cartesiana.
Se a força de alicerce de Portugal vem de ter afirmado a sua existência de uma Europa que duas vezes se perdeu de si própria, primeiro na Idade Média grega, depois na Idade Média Ocidental, a sua força de salvação virá de, voluntariamente, ter incluído em seu brasão as chagas de Cristo, não pintando-as apenas, mas consubstanciando-as em gente sua: primeiro em D. Duarte, o mártir do dever; depois em D. Fernando, o mártir da grandeza de alma, superior sempre a seu destino; e em D. Pedro, o mártir da fidelidade a uma ideia claramente pensada e claramente sentida; e em D. João, o mártir de não querer senão o todo, ou o seu nada; e, finalmente, em D. Sebastião, o mártir do sonho de grandeza que está para além das circunstâncias históricas. Coroando os campos, a santidade activa de Nuno Álvares, a sua pureza guerreira, o halo que no céu gravam suas acções terrestres; e, numa afirmação final da energia que a tudo subestá, o Grifo com sua cabeça de águia adivinhando o mundo como um perfeito globo, ou melhor, obrigando o mundo a ser o globo que pensava; com uma de suas asas rasgando o firmamento num sulco de vontade, com a outra das asas o rasgando num sulco de poder.
Sobre a base teórica de que a vontade de Deus desperta o sonho do homem e de que o sonho do homem provoca o surgimento da obra, e afastando por aí, para explicar a História, tudo o que sejam causas espirituais ou materiais limitadas ao círculo humano, e pondo nitidamente, logo no primeiro poema, que a história que vai contar, a da Possessio Maris, não é a História de Portugal, mas apenas o seu interrompido prólogo, Pessoa dá o que foi o encantamento máximo dos navegadores, o de transformar o abstracto em concreto; o que foi basilar em sua actividade, a convicção de que só em Deus, como último porto de repouso; a vontade de um Rei de carácter sacramental que, faz, ao mais humilde dos homens, poder mais do que todos os medos do mundo; a glória de ter mostrado que o mar é sempre o mesmo e que a sua posse nada significa de vital; o sentimento de que o que vale na empresa de buscar é a busca e não o encontro; o mérito de ter sido o corpo da vontade de Deus, de ter sido o Tempo da Eternidade a revelar; o impulso que irá conduzir a história para além dos que o lançaram; a consciência de se ter realizado, no mundo físico, e sem nisso estar verdadeiramente empenhado, a mais alta façanha de que os homens se podem orgulhar; o ter ensinado que toda a descoberta se faz apenas quando se tem a coragem de passar além dos domínios da alegria e da dor; por fim, em Última Nau e Prece, a certeza de que, embora tenha vindo a noite e seja vil a alma, Deus ainda reserva para o seu povo Distância a conquistar.
É essa Distância como distante, é essa conquista como inconquistável o que, em O Encoberto, se anuncia pelos Símbolos, pelos Avisos, o último dos quais é o do próprio Fernando Pessoa, e se afirma triunfantemente através do negrume dos Tempos. Portugal, completando a sua obra, dará ao mundo o seu íntimo Império feito de anseios, de lonjuras, de Reinos ilocalizáveis em tempo ou espaço, o seu reino de alma humana continuamente sendo e continuamente ansiosa de mais ser, tendo-se inteiramente desprendido das ilusões de uma afirmação puramente pessoal e de uma pessoal felicidade; o mar bate nas costas do Império, mas, se o escutarmos, pára; decerto, porém, um dia, desistindo do nos opormos ao mundo, não mais o quereremos escutar; então, através de todo o nevoeiro, pelo próprio nevoeiro, terá surgido a Hora; o Encoberto, em milagre supremo, se descobrirá.


Mensagem Dois

Sem se mexer, nem sequer por dentro, como dele dizia Álvaro de Campos, Fernando Pessoa agudamente se observa a si mesmo e ao grupinho que com ele tinham formado os três poetas. Era o conjunto de mais penetrante inteligência, de maior capacidade de ironia, de menor provincianismo que jamais se constituía em Portugal; no entanto, tendo tão superiormente ultrapassado a vida, podendo, por exemplo, dizer a um Sá-Carneiro que o não achavam completamente civilizado, podendo tratar a sociedade portuguesa do tempo com o desembaraço, o desdém e a agressividade com que a trataram – apenas, de onde a onde, com algumas ingenuidades, como a de propor Mensagem a políticos cuja característica essencial era a de não serem nem imperiais, nem proféticos, nem épicos mas chapadamente pedestres, retrógrados, locais – o certo era que afinal o meio ambiente acabava por os vencer, com as bebidas, o fumo e os cafés de Fernando Pessoa, o exílio sem glória de Ricardo Reis, a morte prematura de Alberto Caeiro, e é fora de dúvida ser a tuberculose uma doença de ambiente, e o cansaço permanente de um Álvaro de Campos. O que os abatia e afinal os unia num mesmo denominador era essa falta de uma energia que todos louvaram e todos punham como o bem mais desejável de todos os bens, mas que apenas lhe dava para escreverem seus panfletos de várias formas e os comentarem ou comentarem os dos outros à volta das mesas do Martinho.
O grito de ter vindo a noite e de ser vil a alma era afinal o grito de todos, mas nenhum tinha a coragem prática de agir. Era como se o acontecimento histórico que emasculara a Nação os tivesse emasculado também a eles; era como se a Europa socrática e renascentista, vingando-se de todo o desprezo cultural e político a que sempre Portugal a tinha votado; vingando-se daquele soberbo desdém que Fernando Pessoa melhor que qualquer outro exprimira em Mensagem, o desdém pelo estrangeiro que apenas achara o que no encontrar português só por destino não fora achado; vingando-se daquela autonomia religiosa que construiria a Trindade vivida de Santa Maria, o Menino Jesus e o Espírito Santo, em oposição a uma teologia pensada que tanto conservara de judeus, gregos e romanos; era como se ela, entrando na Península pela mão de Carlos V e com o caminho preparado para erros anteriores, tivesse dado o golpe fundamental para acabar de vez com os homens que jamais desprendiam suas mãos do leme ou que tendo na mão a pena somente a manejavam nos repousos da espada ou conservavam debaixo dos buréis os arneses vestidos. E tão separados tinham para sempre ficado os portugueses de seus antepassados que, mesmo quando um acaso interno os lançava aos antigos caminhos, não mais os conheciam: Fernando Pessoa estivera em África e a África se mascarara de Inglaterra; Álvaro de Campos estivera no Oriente e o seu Oriente fora Port Said e não Ormuz, fora um conde francês e não um Fernão Mendes; Alberto Caeiro estivera no Ribatejo e o seu Ribatejo nunca fora o de Giraldo nem o de Alfarrobeira; e Ricardo Reis, partindo para o Brasil, não soubera encontrá-lo.
O poder de esmagar de tal forma o que fora a Nação mais original do Ocidente e a de mais larga e profunda missão em todo o mundo só poderia ter sido dado à Europa por um grande acerto ou por uma grande tentação; para Fernando Pessoa a ideia de grande acerto não poderia existir, poruqe detestava a América do Norte e a Rússia e não podia deixar de vê-las como o perfeito fruto da mentalidade europeia; tinha por conseguinte de se voltar para a ideia de uma tentação diabólica, mais temível do que a de quedas anteriores, e de que a humanidade só possivelmente se veria redimida por um novo sacrifício, provavelmente pelo sacrifício de Portugal como nação. Essa tentação não podia ter deixado de ser a da eficiência, e a da eficiência vista não como serviço prestado aos outros, mas como uma afirmação da própria superioridade: como da outra vez, o Diabo pegara o pecador pelo Orgulho. E passava de coincidência interessante a necessidade lógica que, tendo o palco da nova tentação e da nova queda sido a Alemanha, fosse exactamente Carlos V quem tivesse vindo emascular a Espanha e Portugal; mais a este, como inimigo fundamental porque afinal Castela sempre tivera suas pretensões a Prússia da Península.
O golpe essencial a favor da eficiência tinha sido o de ver a sociedade como uma máquina de produção, em que cada qual tem de ocupar o seu lugar e de se desempenhar de suas tarefas com o máximo de obediência a uma organização central; para que isso se conseguisse tinham-se apurado as instituições estatais, eclesiásticas e escolares pondo-as, no máximo que era possível, ao serviço dos produtores. De todas elas, as que porventura tinham custado maior mal eram exactamente as escolares, porque a sua missão consistia em fazer durar o menos possível a criança, de modo a ter, para produzir, um maior número de adultos: é por isso que é inteiramente errado dizer-se  que, na época de sua revolução industrial tinha a Inglaterra no serviço das minas crianças de cinco anos; o que ela tinha trabalhando era uma coisa muito mais monstruosa: eram adultos de cinco anos de idade.
De então para diante em nada mais se mudou, na grande massa da educação, senão nas técnicas de fabricar adultos pelo assassínio das crianças; a humanidade de jeito ocidental pratica em grande escala o infanticídio do espírito, apenas o punindo quando é físico porque isso lhe rouba definitivamente a matéria-prima do adulto. Aquelas crianças que várias vezes Fernando Pessoa apontou como a melhor coisa que há no mundo, aquele Menino eternamente criança e humano que era Alberto Caeiro o Deus verdadeiro e supremo que faltava no universo, a essas diariamente as sacrificam nas nossas escolas, diariamente as crucificam, diariamente as imolam nas aras da Eficiência. O que permitiu à Europa dominar Portugal, chegando ao extremo de lhe apresentar o que há de mais estrangeiro, de mais alheio à índole nacional, como inteiramente nacionalista, foi o pecado de ter levantado como valores supremos de vida humana os do adulto, o saber, o trabalho e aquela separação de sujeito-objecto que permite a filosofia, a ciência e a técnica. A Europa se vendeu ao Diabo e o dinheiro que nisso ganhou lhe serviu para comprar Portugal.
E, comprando-o, destruiu o último refúgio que ainda poderia haver no mundo para as qualidades distintivamente humanas, as da imaginação, em vez do saber, do jogo, em vez do trabalho, da totalidade, em vez da separação; são essas e não as outras as que têm demonstrado os grandes criadores de ciência, os grandes artistas, ou os grandes políticos: por isso os perseguimos quando vivos e os aproveitamos, porque já eficientes, quando seguramente mortos. Não haverá salvação para o mundo enquanto não entendermos e fizermos penetrar me nossas consciências este facto basilar, e enquanto as nossas escolas, transformando-se inteiramente, não forem, em lugar de máquinas de fabricar adultos, viveiros de conservar crianças; enquanto não forem as crianças que nos levem, não pelo caminho que uma ciência fáustica previu, mas pelo que houver, dando a mão, ao mesmo tempo, a nós e às coisas: enquanto não for o Menino Jesus nosso Deus verdadeiro.
É evidente, no entanto, que a escola é apenas um dos elementos de um sistema; a pedagogia está ligada à sociologia, à economia e à teologia racionais por laços muito mais íntimos do que se pensa; tudo são fabricações de adultos. Pensam eles, os pobres, que pode jamais haver no mundo alguma forma satisfatória de governo organizado, de economia organizada ou de discurso do sobrenatural, a não ser que os pensemos sempre dentro de um mundo de adultos: fora dele, num universo de qualidades infantis, num Paraíso, e é por isso, porque os adultos aí eram crianças que não havia crianças como Adão e Eva, e só as houve depois que, para podermos comer e se vestir, principiaram eles a ser adultos, - num Paraíso, todo o governo que não for amar será absurdo, toda a economia que não for colher será absurda, toda a teologia que não for contemplar será absurda.
Poderia parecer que por este caminho se poderia Fernando Pessoa opor a todo o crescimento da técnica; mas é técnico Álvaro de Campos nos melhores momentos de si próprio e, se não exerce a sua profissão, é decerto pelos seus arrebatos melancólicos, mas também porque se não percebe um engenheiro naval num País que não mais constrói navios – embora possa, como a Holanda, fabricar paquetes ou cargueiros: e o grupinho de Pessoa sabe perfeitamente através dele que é exactamente pela técnica, mas pela técnica tomada como um jogo geral e não como um meio individual de ganhar dinheiro ou poder, que pode o homem abrir o seu caminho de regresso ao Paraíso: mas, para tomar a técnica como um jogo, é preciso que se seja anteriormente criança: a conversão religiosa ao Menino Jesus deve preceder a revolução social. O contrário seria materialismo, coisa de padres sem religião, como dizia Alberto Caeiro; o que também se poderia afirmar da religião que avassalou Portugal a partir do século XVI.
Ligando os pecados da Europa ao que foi Portugal antes de a noite vir, poder-se-ia pensar que o D. Sebastião da Mensagem, o Encoberto, o que há-de voltar na manhã de mais cerrado nevoeiro, quando toda a esperança parecer perdida, é ao mesmo tempo o Menino que jamais se resignou a ser adulto no Rei de Alcácer e o Menino que jamais se resignou a ser adulto nos melhores homens do mundo; a grandeza qual a Sorte a não dá seria, não a grandeza deste mundo em que logo se pensa, mas a grandeza do Reino que Jesus afirmava ser o seu e que seria povoado dos pequeninos que a si chamava e que apontava como modelo a seus discípulos; e à volta de D. Sebastião, iniciando no mundo o novo Império, cada homem e cada mulher, redimindo-se de ser adultos, iria oferecer a um Deus também Menino, libertado finalmente de sua Cruz e de seu distante Céu, o seu ramo infantil de contempladas flores.
É por esse Império, que nem ele nem os e seus companheiros têm a coragem ou a força ou a hora de construir, porque numa história movida por Deus tudo vem a ser o mesmo; é por esse Império, que não tem lugar marcado nos mapas porque vive no sorriso, no olhar, nos sonhos dos meninos; é por esse Império, que se tornará consciente ou inconsciente a nós, como se torna consciente ou inconsciente a uma criança o que, dormindo, a faz sorrir; é por esse Império, que só poderá surgir quando Portugal, sacrificando-se como Nação, apenas for um dos elementos de uma comunidade de língua portuguesa; é por esse Império, que já foi aurora de realidade e que hoje é apenas cavo passo que se escuta em palácios desertos, que Fernando Pessoa pensa, escreve, concebe génios, sofre recolhido e ignorado morre. Mas sobre ele reina, como já reinou sobre nós outros, aquele Menino Imperador que, em oposição ao Imperador germânico, o Imperador dos adultos, e iniciando seu Império pela abertura das prisões e pela abundância para os pobres, coroavam, por amor do Futuro, os portugueses do melhor tempo; e que ainda hoje coroam os homens de Santa Catarina, entre os quais vivo e escrevo: aqui, também, esperemos, por amor do Futuro.    

sábado, 20 de outubro de 2012

Episódio de Lionardo e o valor simbólico do casamento

Este episódio narra a perspectiva de "Lionarido, soldado bem disposto, manhoso, cavaleiro e namorado", que apesar de ser mal afortunado no amor, não perde a esperança de conquistar a sua amada, a Efire, exemplo de beleza. Embora a Ninfa estivesse constantemente a escapar dos encantos do soldado, este continuava a cortejá-la.
Esta sua atitude levou Efire a render-se ao "triste que a seguia", correspondendo ao seu amor. Após ardentes manifestações de amor na floresta, celebram o matrimónio juntamente com as outras Ninfas e os seus amados navegadores.
Nesta passagem, é transmitida uma simbologia relativamente ao casamento colectivo dos navegadores com as Ninfas, que representa a recompensa do esforço dos heróis portugueses. Toda a aventura de Lionardo reflecte a coragem dos marinheiros que ultrapassaram os obstáculos para alcançar os seus sonhos.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Marc Antoine CHARPENTIER: Actéon (excerpts 3)

Actéon

«Haverá visão mais louca do que a que se oferece, por entre as folhagens afastadas, aos olhos de Actéon?
Sonhará ele de modo tão intenso em pleno meio-dia, ao som da trompa? Terá sido o acaso ou o tacteante desejo que conduziu os seus passos na via da salvação, para o seio da maldição? Terá ele acreditado verdadeiramente que a virgem, na sua inalcançável divindade, era alcançável? Teria sido ele quem dava a esta teofania as suas formas? Seria ele o exegeta? Ter-se-ia oferecido Artemisa aos escultores, se Actéon não se tivesse aproximado dela? Seria uma cilada da sua imaginação venatória que ele desejava armar ao seu génio tutelar? Mas que ideia querer surpreender o princípio fundador da sua vocação, para o pôr em causa! E será necessário ser-se tão louco para supor que a divindade vai descansar, despir-se e alegrar-se na água? E acreditar que ela se aborrece, e que esse aborrecimento tão raro, que vos proporcionará um divertimento exclusivo e vos encherá de um privilégio que colhereis como uma baga selvagem?
Estaria Actéon farto da caça? Adivinharia um sentido mais profundo da sua inutilidade? Numa palavra: deixar a presa pela sua sombra, não é o segredo de todos os caçadores, pois que os bens terrenos são a sombra dos que hão-de vir? Mas se o Reino pertence aos violentos, Actéon deu o primeiro passo na via da sabedoria quando se aproximou desse arbusto ardente que ele afastou, como o primeiro dos videntes em marcha, armados e mascarados.»

Pierre Klossowski, O Banho de Diana

Episódio de Leonardo e Valor Simbólico do Casamento

Episódio de Leonardo:

A história de Leonardo está contido nas estrofes 75 a 83 no canto IX, episódio da Ilha dos Amores.
Leonardo é caracterizado como um corajoso soldado com espírito alegre que acreditava ter má fortuna no amor.
Neste episódio podemos destacar como personagens Leonardo e Efire, a ninfa que lhe havia sido atribuída sendo a mais "complicada" de alcançar. Quando Eifre nota que Leonardo se apercebe da sua presença, foge. Aqui desenrola-se uma perseguição, onde Leonardo suplica a Efire que pare. A ninfa rejeita os seus pedidos e Leonardo apercebe-se que lhe é impossível não lhe ser cortês, pois Efire é o ser mais belo que alguma vez imaginou ver. Através do seu discurso apaixonada e até desesperado, Efire rende-se tal como as outras ninfas.

"Cair se deixa aos pés do vencedor,
Que todo se desfaz em puro amor."

Assim Leonardo, através da partilha de intensos momentos com Efire, consegue ultrapassar as desavenças amorosas do passado.
Neste episódio temos claras características do amor sensual, à primeira vista, repleto de desejo que no entanto mais à frente se acaba por transcender e interligar com o amor espiritual. No fim do episódio Leonardo começa a ter desejos de casamento e de companhia eterna, a partilhar com Efire.

Valor Simbólico do Casamento:

Neste episódio vemos que o início das relações entre as ninfas e os marinheiro era puramente físico e sensual onde ambos encantados por desejo se entregavam ao amor intenso. No entanto através do acto sexual, da satisfação e entrega começa a desencadear-se uma passagem do amor sensual para o amor espiritual. Após o acto sexual existe uma transcendência, pois a supra-entidade presente, O Amor, domina o coração dos marinheiros elevando os seus espíritos e interligando o sensual com o espiritual.
Neste episódio podemos concluir então que existe um redimensionamento do amor sendo que passa para além do sensual e espiritual chegando ao Mítico.
O casamento aparece neste episódio como uma parte integrante da dimensão mítica do amor e ainda como um objectivo dos marinheiros.
No episódio de Leonardo os verdadeiros vencedores são Leonardo e a entidade do Amor.

Andreia Rosa nº2 12ºE

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Relação entre a descrição da Ilha dos Amores e a descrição da Idade do Ouro

Até que ponto é que a descrição da Ilha dos Amores se avizinha/é contaminada pela descrição da Idade de Ouro contida no texto de Ovídio?

Nos cantos IX/X d'Os Lusíadas, é feita a descrição da Ilha dos Amores. Nestes cantos, é relatada a vontade da deusa Vénus em premiar os heróis lusitanos, com um merecido descanso e com prazeres divinos, numa ilha paradisíaca, no meio do oceano, a Ilha dos Amores. Nessa ilha maravilhosa, os marinheiros portugueses podiam encontrar todas as delícias da Natureza e as sedutoras Nereidas, divindades das águas, irmãs de Tétis, com quem se podiam alegrar em jogos amorosos.

Esta descrição que é feita da Ilha dos Amores pode ser relacionada com a descrição da Idade de Ouro da seguinte maneira:

Ora, uma Idade de Ouro é uma época em que um específico povo está no seu auge - no caso dos Portugueses, este foi o tempo áureo dos Descobrimentos. Segundo Ovídio, a Idade de Ouro era isso mesmo -  uma época de imensa glória.

Podemos também relacionar as duas descrições pelo facto de ambas serem utópicas ou pelo menos ideais num ponto de vista actual - Todos vivem em paz e harmonia, não há perigos, apenas glória e perfeição para quem a viveu.

Episódio de Leonardo | Valor Simbólico do Casamento



Episódio de Leonardo

Neste episódio dos Lusíadas, que decorre das estrofes 75-84 do Canto IX, Leonardo, um soldado, é descrito como bem disposto, mas como não sendo afortunado no que tocava ao amor. Porém, a estrofe 75 indica-nos também que a sua sorte poderia vir a mudar.

“Leonardo, soldado bem disposto,
Manhoso, cavaleiro e namorado,
A quem amor não dera um só desgosto,
Mas sempre fora dele maltratado,
E tinha já por firme pressuposto
Ser com amores mal afortunado,
Porém não que perdesse a esperança
De ainda poder seu fado ter mudança.”

Numa primeira análise, podemos observar Leonardo como uma típica descrição de um “eterno apaixonado”. Mesmo que o amor lhe tenha trazido tantas desventuras, Leonardo continua determinado e perseverante. Neste episódio, Leonardo persegue a ninfa Efire, e vendo que o seu fado habitual se repetiria, Leonardo implora a Efire que pare e se renda, tal como as restantes ninfas. 

“Todas de correr cansam, Ninfa pura,
Rendendo-se à vontade do inimigo.”
 
Leonardo ainda apela a Efire, mostrando se verdadeiramente desesperado, e tenta fazer com que Éfire pense que “a ela não lhe custaria nada e só seria bom para ele”

“O que tu só farás não me fugindo!”

Efire acaba por ter alguma “pena” do desgraçado, após este ter debitado toda as suas desventuras amorosas, e acaba por se render. 

“Cair se deixa aos pés do vencedor,
Que todo se desfaz em puro amor.”

Este episódio só nos demonstra que mesmo quando algo corre mal, há que ser perseverante e determinado e continuar a insistir, sem desistir, até ao ponto em que já não conseguimos mais. Pois mesmo quando é hábito algo correr-nos mal, existe sempre a esperança de que desta vez possa correr bem.


Valor Simbólico do Casamento

Vivemos num país cristão e católico. É verdade que já o fomos mais, e que cada vez isto se torna algo secundário, pois grande parte dos jovens de hoje em dia ou são ateus com fundamentos, ou não ligam de todo a nada, mas ainda existem alguns que por esta religião se regem.
A verdade é que o casamento – não só em Portugal, como também no mundo – já não é o que era.  Ouvimos histórias dos nossos avós, que no Antigo Regime se conheceram, se encontravam às escondidas, e contra tudo e todos lá se casavam e ainda hoje casados continuam. Não quer dizer que connosco não seja possível, mas na sociedade actual o casamento é muito mais um contracto do que um sagrado laço contraído entre duas pessoas. Cada vez mais se dá importância ao casamento pelo registo civil sem uma cerimónia religiosa – não se pode culpar ninguém, todos sabemos que tais cerimónias são algo aborrecidas e a parte divertida só começa quando vamos comer. E como cada vez mais se olha para o casamento como um contracto, cada vez é mais fácil “rasgá-lo”.
Quase um em cada dois casamentos em Portugal acaba em divórcio – a média duração deste contracto é de 10-14 anos. Não nos parecendo um número assim tão mau, esquecemo-nos que segundo os costumes religiosos deste país, o pressuposto é que o casamento dure até ao fim da vida de uma ou de ambas as partes. Já não havendo muitas pessoas a casar, cada vez isto piora mais. Numa instituição que deveria demonstrar a união completa entre duas pessoas, o casamento já começa a ser demasiado “descartável”.
Não acho que seja necessário o casamento para reforçar os laços de um casal, no entanto, acho que é mais uma razão para fazer as relações durar. O meu único pedido aos jovens portugueses seria para olharem para os vossos avós, se ainda os tiverem, e pensarem que também gostariam de envelhecer com uma pessoa. Está certo que as novas gerações serão certamente muito diferentes das dos nossos avós, mas com trabalho arranjar-se-ia uma maneira.