terça-feira, 3 de maio de 2011

A ideia de justiça nas "Aventuras de Alíce no País das Maravilhas"

Como sabemos, a obra “As Aventuras de Alice no País das Maravilhas” foi escrita por Lewis Caroll em 1976. Ao ler o livro, apercebemo-nos que a lógica das coisas é questionada. O livro transporta-nos para um lugar fantástico povoado por seres excepcionais que possuem características inimagináveis, o que nos leva a crer que o extraordinário é algo de normal neste lugar.
Na obra ouvimos muitas vezes falar em conceitos que para nós não são aquilo que consideramos a realidade. No entanto, não há nada a fazer, pois é a nossa realidade e não a das personagens que vivem neste mundo à parte. A nossa realidade, literalmente, é aquilo que existe fora da nossa mente, podendo ser perceptível ou não, acessível, …ou seja, nós não temos de compreender totalmente, tudo o que é aplicado no País das Maravilhas, apenas temos que perceber que o não ser igual ao nosso, não significa que seja inexistente. Talvez seja isso, o que faz deste assunto, um tema tão interessante e o que nos leva a entender que nem todos temos a mesma noção das coisas e que podemos defender os nossos pontos de vista e ter diferentes visões daquilo com que nos vamos deparamos ao longo da vida.
Um dos conceitos de que ouvimos mais falar nesta obra é a justiça. Não podemos dizer que a justiça nesta obra não existe, porque a verdade é que existe. O conceito de justiça natural para aquele mundo é aplicado, é algo fixo e existem leis e costumes. Todavia, são diferentes das que nós, enquanto seres humanos, consideramos correctas, o que remete para a ideia de que esse conceito neste país de fantasia é um completo absurdo. Mas na minha opinião, acho que não temos o direito de pôr em causa a forma como o termo justiça é aplicado no País das Maravilhas, porque nem todos nos regemos pelos mesmos princípios e é isso que nos faz diferentes e nos faz crescer, o facto de termos diferenças em relação aos outros e de nos interessarmos por isso.
Por vezes, existem certas flutuações, ou seja, acontece algo que nos põe numa situação menos agradável e que nos leva a repensar no nosso conceito de justiça. O que se pretende da justiça, não é acomodar a igualdade entre desiguais, não é aceitar que se nivele o excelente pelo bom ou o bom pelo medíocre, mas sim procurar aceitar a desigualdade natural das coisas e das pessoas. Aquilo que a nossa sociedade, pretende enquanto justiça, posto da maneira mais simples possível, está relacionado com a igualdade de todos os cidadãos. É algo essencial para a nossa conduta moral que exige uma certa integridade, pois se não agíssemos deste modo o mundo seria uma verdadeira Babilónia. A justiça é a base da nossa sociedade, não podemos viver e actuar sem esta, pois o nosso quotidiano gira à volta daquilo que consideramos o certo e o errado. Enquanto a nossa ética está mais relacionada com o que é bom por natureza, a do País das Maravilhas tem a ver com o que é bom por convenção. É por isso que nos apercebemos que o que as personagens do livro consideram como justiça é algo de diferente. É um conceito que tem como suporte o egoísmo, pois durante toda a obra a arbitrariedade domina. O termo de justiça é utilizado como algo extremamente fútil, superficial e vago, pois qualquer pessoa, desde que seja superior, consoante o que lhe convier, pode tomar decisões e posições totalmente imparciais. Neste caso, a forma deixa de ser importante, pois as decisões são continuamente tomadas por alguém prepotente que só se preocupa com o fim a alcançar sem consultar outras mentalidades.
Algo com que nos deparamos na obra é também o facto de a justiça ter sempre o “papel” de condenar e nunca de tentar perdoar. O conceito convencional de justiça é aquilo que as leis e os costumes de uma cidade consideram como favoráveis para o bem-estar da comunidade e neste país, o bem-estar desta é apenas para alguns. É para os mais fortes, para os que têm o poder. Ao longo de “As Aventuras de Alice no País das Maravilhas”, as leis e os acontecimentos vão sendo criados ou manipulados de uma forma tão destituída de racionalidade que o inesperado deixa de o ser.
                No livro existem duas partes relacionadas com a justiça que se destacam. Uma delas no capitulo 3 “A Corrida Presidencial e uma História Comprida”, e nos capítulos 11 “Quem roubou as tortas?” e 12 “O depoimento de Alice”.
No 3º Capitulo, onde o Rato conta a sua história a Alice, concluímos que o Gato só se interessa por condenar e castigar o Rato, de modo a poder comê-lo. O facto de não haver juízes, nem jurados não impede que não haja um julgamento, pois o Gato, por ser o mais forte em termos de hierarquia, assume-se a ele próprio como juiz e jurado (o que na vida real é inconcebível). Podemos concluir que neste capítulo que, a única coisa que realmente interessa é o castigo da pessoa a ser condenada e nada mais. Encontra-se também presente, neste capítulo, a lei do mais forte, ou seja, quando se fala em cadeia alimentar, a hierarquia do mundo, faz com que os mais fortes usem o seu poder para dominar os mais fracos.
No 11º e 12º capítulo, decorre o julgamento do Valete em que o Rei e a Rainha de Copas o acusam de ter comido as tartes da Rainha. Alice é uma das muitas “criaturas” que presta um depoimento. Enquanto está sentada, começa a crescer e a aumentar significativamente de tamanho, o que é de certa forma, uma maneira de esta se sentir mais confiante, o que lhe dá uma sensação de poder. Esta sensação faz com que Alice diga tudo aquilo que pensa sem qualquer receio, quando até então tinha permanecido calada. Este acto, apesar de justo não é o mais correcto, pois assim que Alice tem uma certa soberania utiliza-a de forma desrespeitosa para os outros e utiliza quase que uma espécie de Lei do mais forte, pois ao ser maior, é a mais “forte” e diz tudo o que quer e tenta instituir o seu ponto de vista, tentando assustar os outros. Ou seja, o grande (Alice) exerce poder sobre o pequeno (Rei).
Podemos assim concluir que, apesar de a nossa justiça não ser uma necessidade no mundo fantástico, isso não significa que esta não exista lá alguma diferente da nossa, ou seja, as leis da natureza do País das Maravilhas permanecem no seu sistema, mas não de forma inigualável. São estas leis que regem esta sociedade e que a fazem funcionar. Podem não reflectir o bem-estar de todos, mas sem estas a vida não seria o mesmo, pois tal como para nós a justiça é uma base, para esta comunidade repleta de fantasia, aquela também o é, apenas aplicada de modo diferente. Tal como se aplica na nossa sociedade, estas leis base não se podem mudar, pois vamos sempre achar que é justo para uns e injusto para outros.
À medida que se lê o livro, a palavra justiça vai ganhando diferentes significados, que têm como objectivo favorecer as personagens consoante lhes convier, mas tal como já referi, tudo isto gira à volta daquilo que é considerado como base no País das Maravilhas.
Ao longo da vida, vão sempre acontecer coisas que não nos agradam, pois tudo tem um lado injusto, mesmo que não o queiramos ver. O injusto pode nem sempre ser para nós, mas também para os outros, facto que às vezes nos esquecemos. A verdadeira justiça está relacionada com o nosso bem-estar e com o dos outros e não com o que nos faz sentir bem só a nós.
Se formos a pensar, o que é totalmente justo no mundo?

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