Quando me foi anunciado o livro da Alice como parte do plano de leitura, estranhei. Sempre tinha achado que este livro era apenas um simples livro de contos para crianças que não requeria grande interpretação, no entanto agora sei que é o oposto. Este livro tem a capacidade de nos transportar para um mundo imaginário onde a lógica é inexistente e reina a loucura relativa, pois desde o momento que Alice entra na toca do coelho nós entramos com ela e podemos claramente reconhecer e identificar-nos com todos os seus obstáculos.
No País das Maravilhas tudo é distorcido tornando-se num mundo paralelo onde a realidade é ao contrário e sem grande sentido, no entanto alguns pormenores se mantêm em relação à sociedade actual. Um exemplo é a hierarquia da população, ao longo do livro podemos ver que neste País algo muito presente é o facto de cada pessoa estar incluído num estrato social. Por um lado temos, a Duquesa, a Rainha, o Rei e por outro temos ou criados ou soldados e todos os outros servos do reino. Outro exemplo poderia ser a ideia de Justiça, algo que está muito presente ao longo do livro, já que Alice assiste variadas vezes a julgamentos e a exercícios de poder.
No entanto nem tudo são semelhanças, algo que podemos observar claramente neste mundo paralelo é o facto de existir uma relação próxima entre os desejos e a realidade. Enquanto no mundo real temos um desejo ou aspiramos algo o seu efeito não é imediato, no mundo das maravilhas o desejo tem imediatamente uma reacção abrindo então portas para outros caminhos alternativos.
Neste livro algo que aprendi ser muito importante foi o uso das palavras e como podem mudar o sentido de uma frase ou de um diálogo. Quer a repetição das palavras ou o uso de termos ‘pomposos’ por parte da Alice.
Alice é uma personagem muito intrigante, é uma criança que ao longo da sua aventura imaginária sofre várias mudanças e metamorfoses na busca do seu “EU”. Creio que neste sonho Alice encontrava-se numa crise de identidade, procurava saber quem era, “É que sabe-se lá se isto não vai acabar comigo a desaparecer completamente como uma vela - disse ela para consigo – Que serei eu então?”. Algo que podemos observar em várias situações é a divisão do sujeito de Alice. Parece que Alice se divide em duas figuras, tendo então a capacidade de se auto-observar desde do que para si é mais visível até ao seu interior para o que é mais privado. Graças a esta capacidade podemos também ver que Alice chega até a dar conselhos a si mesma, admitindo no entanto raramente os seguir.
Ao longo do livro Alice é questionada não só pelos outros mas por si mesma sobre quem era, e talvez esta aventura fosse a descoberta desse enigma. Ou talvez porque Alice estaria a passar por uma fase de crescimento na qual teria de deixar de ser criança. Este sonho poderia então ser uma última oportunidade de ser criança e de aproveitar a vida ao seu todo antes de crescer para adolescente, tal como vemos ao longo do livro ela procura o Coelho Branco que sempre se encontra atrasado e com pressa, provavelmente era assim que Alice se sentia, sem tempo para usufruir desta fase da sua vida. Talvez fosse por isso que Alice tanto buscava o Coelho Branco, possivelmente queria ter mais tempo para ser criança, para continuar a imaginar e a congeminar ideias loucas que apenas fariam sentido no seu mundo.
Ao longo do livro Alice cresce e diminui. Quando cresce, Alice torna-se mais segura de si, confiante e forte. No entanto quando diminui torna-se mais frágil e hesitante. Alice era por isso uma pessoa muito instável emocionalmente, por vezes era capaz de chorar um rio de lágrimas, por outras era capaz de estar alegremente a correr numa corrida eleitoral. Esta instabilidade de Alice é uma das suas principais características ao longo do livro.
A justiça, presente no livro, é basicamente uma fachada. Pois à primeira vista podemos ver que existem tribunais, julgamentos, juízes, (ou seja símbolos de justiça imparcial), no entanto após reflexão podemos observar todos estes símbolos são uma frente para um falso sistema no qual as principais fontes de poder, (a Rainha e o Rei), criavam uma ilusão de justiça que no entanto nunca existia pois quem saia a vencer seriam sempre quem eles quisessem beneficiar e não quem estivesse certo ou errado. Será esta justiça tão diferente da realidade? Não é uma realidade que por vezes quem ‘vence’ não são necessariamente as pessoas que estão correctas mas sim as que têm mais influência ou poder?
A meu ver o que ocorreu foi também uma crítica social a estas situações de (in)justiça, no entanto neste livro ao contrário do que se passa na vida actual, temos um exemplo de alguém que teve a coragem de se opor a este sistema opressivo. Alice no julgamento do Valete, (situação na qual o Valete estava a ser julgado por um crime que não havia cometido), comprovou a sua repulsão:
“- Caluda! - Ordenou a Rainha, vermelha de cólera.
“- Caluda! - Ordenou a Rainha, vermelha de cólera.
- Não me calo nada! – Disse Alice.”
Creio então que existem vários pontos a reter desta história mas o principal é nunca deixar que o medo ou receio crie obstáculos na nossa vida pois essa ideia de impossibilidade, até experimentada por Alice quando pensava ser impossível sair do País das Maravilhas, é algo que pode vir a controlar a vida de alguns. O medo é um grande impedimento que testa a nossa resistência ao longo da vida, quer queiramos ou não sempre existirão os ‘mais fortes’ e os ‘mais fracos’, mas devemos aceitar este livro como uma metáfora, será mesmo necessário ter três metros de altura como Alice para enfrentar os nossos medos? Claro que não, logo é imprescindível manter o controlo das situações sem nunca afligir.
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