quarta-feira, 4 de maio de 2011

Alice no País das Maravilhas

“Alice no País das Maravilhas” é um livro com um toque extraordinário… nem sei por onde começar.
No início desta obra, Alice segue o Coelho Branco para dentro da sua toca. Após sofrer uma queda invulgar, durante a qual a menina podia dar-se conta de todos os objectos à sua volta, (a queda quase faz parecer que o tempo se encontrava estático), Alice vê-se dentro de um átrio com várias portas trancadas. Com o desejo de sair dali,  pega numa chave que abre uma pequena porta. No entanto, Alice é demasiado grande para por lá passar e chegar ao  belo jardim. Desta vez, desejando ser mais pequena, a menina encontra uma garrafa que lhe ordena que a bebesse. Alice bebe o seu conteúdo e começa a decrescer rapidamente. Nesta altura, sente-se muito estranha e consegue imaginar-se como algo que nunca viu ou foi “a chama de uma vela depois de se ter apagado”. À medida que as alterações ocorrem durante a sua estadia no país das maravilhas, vão-lhe sendo privadas ou concedidas coisas a fazer, dependendo do seu tamanho. No início da obra podemos também destacar que a relação dos desejos e a realidade é muito próxima, são quase um único; quando Alice deseja, Alice tem. É isto que normalmente acontece.
É por esta altura que nos começam a ser dadas informações acerca da crise de identidade de Alice. A partir daí, mais metamorfoses ocorrem e a certa altura a menina já não sabe quem é. Os problemas de consciência surgem, deixam-na frustrada; Alice não se reconhece a si própria;  há momentos em que partes do seu corpo tais como pés e pescoço já se lhe encontram tão distantes que passam a ser sentidos como algo exterior à sua pessoa.  Tenta então, numa cronologia, detectar o momento em que foi trocada com outra menina. Isto faz com que Alice se torne instável tanto a nível físico como mental deixando de ter controlo sobre si mesma; isto leva a uma crise de identidade que se caracteriza por uma oscilação de mudanças físicas e psicológicas. Alice vê a imagem que preservava acerca de si própria a distanciar-se cada vez mais dela e fica muito desiludida com o seu reflexo. Aí apercebe-se que não existe uma verdade absoluta.
Alice é curiosa; aliás, se não o fosse, a menina nunca teria entrado pela toca do coelho adentro e a história nunca se teria desenrolado. A certa altura, Alice acha que tudo deve ser extraordinário e não consegue evitar estranhar quando algo fora de comum não acontece.
Alice é sensível, porém é um pouco senhora de si; este é o seu mecanismo de defesa, uma vez que se encontra sozinha neste país maravilhoso. Alice entra em pequenos conflitos com muita facilidade devido à sua grande perspicácia; quando não concorda com algo, ou não percebe, ou quando percebe que está a ser enganada, não hesita em por em questão a situação. “Eu sou mais velha do que tu, e por isso devo saber mais. E Alice recusou-se a acatar tal coisa, sem saber a idade que ela [Arara] tinha […].” É como se Alice funcionasse como um elemento destabilizador da ‘normalidade’ e paz do país das maravilhas, é estranha e nem sempre bem acolhida por isso. Por esta razão Alice não pode deixar de se sentir desconfortável em certas situações; a menina sente quase sempre uma incompatibilidade com os outros.
                No país das maravilhas não há regras; os jogos são arbitrários – não interessa quem ganha e quem perde. Parece que no livro, tudo leva a algum e a nenhum lado, que há sempre e nunca um objectivo a alcançar. O sentido das palavras também pouco importa nesta obra. No capítulo III, Alice e o Gato iniciam uma discussão acerca das palavras rosnar e ronronar. O Gato remata dizendo “Chama-lhe o que quiseres”. Durante o julgamento surge a palavra relevante, esta causa alguma confusão ao Rei que tenta ver qual das palavras, relevante ou irrelevante, soava melhor, não interessando o seu significado. Outro tópico irrelevante (ou devo antes dizer, relevante?) no país das maravilhas é o tempo; penso que é mais fácil pensarmos que o tempo não passa, que nunca irá passar, pois o tempo é impiedoso. Porém há um certo contraste entre o apressado Coelho Branco e a desconsideração de outros animais pelo tempo.
No capítulo XII o cenário é do julgamento do Valete. Mas porquê? Porque será que estão a Rainha e o Rei tão impacientes e desejosos de terminar o julgamento e punir o pobre valete? Que fez ele? Roubar tartes? Como sabem eles isso sem qualquer fundamento fruto de uma investigação? Através de uma carta escrita por alguém? Esta situação é de facto uma crítica ao sistema judicial; várias pessoas foram actrizes de uma sucessão de acusações nada fundamentadas. O que o autor pretende retratar são talvez os regimes totalitários em que as vítimas da injustiça nada podem fazer contra quem os incrimina injustamente. Esta é uma situação de abuso de poder em que a governação se faz de acordo com interesses e necessidades pessoais, as leis não são cumpridas ou então são inventadas arbitrariamente e na ocasião, resultando assim uma rede inquebrável de corrupção. Há uma ordem deveras desordenada e perversa presente no julgamento; esta desordem para mim é um factor de encobrimento daquilo que realmente importa naquele julgamento. A presunção de culpa de que é vítima o valete faz-nos pensar que o que está a ser exercido não é a justiça, mas sim a injustiça. Qualquer pequeno facto apresentado é utilizado para fazer uma acusação. Quase não há distinção de papéis no tribunal; O Rato que Alice conhece no capítulo III é vítima de uma injustiça e podemos ler no poema apresentado “ Disse o rato pr’á cadela: nenhum auto resultaria de tanta balela; sem jurado nem juiz […] serei juiz e jurada […] pois era ideia dela comê-lo de cabidela ou senão de caldeirada.”. Os depoimentos são inúteis de tão ridículo é o cenário. A liberdade de expressão é inexistente para alguns; quando é feita uma tentativa de expressão, esta é imediatamente reprimida. Ao longo da obra, são feitas várias referências a situações em que animais comem animais; estas situações são para demonstrar a hierarquia que existe no mundo; os mais poderosos ganham constantemente só porque são mais fortes ou maiores. São feitas várias ameaças durante o julgamento. Porém, o facto de a Rainha se tornar repetitiva, cria nas pessoas e animais um sentimento de despreocupação crescente e descrédito à medida que a Rainha continua com as suas ameaças, ela passa a ser levada menos a sério por todos. Alice, pelo contrário, ao crescer parece ganhar mais importância, é como se passasse a ser ‘mais’ Alice e consequentemente começa não só a ganhar mais confiança em si própria, mas como também passa a ser levada mais a sério. O seu sentido crítico aguçado permite-lhe, durante esta sua viagem por este bizarro mundo, desmascarar todos aqueles que se encontram no julgamento e que já lhe tinham feito ameaças; ”Mas quem é que tem medo de si? […] Vocês todos não passam de um baralho de cartas!”
                Crescer traz também a vantagem de podermos ganhar o crédito dos outros e de começarmos a ter maior consciência daquilo que nos rodeia. Isso permite-nos ter espírito crítico que nos faz olhar o mundo de maneira muito diferente. Só assim conseguimos avaliar as coisas que nos são transmitidas e não as assimilar acriticamente. É assim que Alice procede; a menina é por vezes bastante resistente aos factos que lhe são apresentados.
O conceito de justiça presente em “Alice no País das Maravilhas” adaptado para o mundo real seria considerado uma farsa.
Um facto presente no livro é a falta de interesse por certas coisas. A menina encontra-se várias vezes deparada com situações em que o caminho a seguir pouco importa, como o fará igualmente. Um exemplo disso é encontrado no capítulo III. A corrida eleitoral é feita com o objectivo de os animais se secarem depois de se terem molhado no lago de lágrimas de Alice. O Dodó para explicar como iriam proceder durante a corrida diz “não interessa a forma exacta”. Nesta corrida cada um começava e acabava quando queria, a liberdade era total. No capítulo VI, Alice, em conversa com o Gato “-Não me importa muito onde…. [para onde ir] – respondeu Alice. – Então também não importa muito por onde vás – disse o Gato.” O capítulo IX remete para a moralidade; as intervenções da Rainha são rematadas por uma citação moral que serve para justificar o que se passa, mas o verdadeiro significado das normas morais não tem real importância.
Concluindo, considero esta obra muito interessante, na qual se vão descobrindo, a pouco e pouco, novos pormenores que são indispensáveis para a nossa compreensão deste complexo país que é o país das maravilhas.
Se observarmos bem, compreenderemos que Alice, afinal sempre teve todo o poder que queria. Ela sempre o soube, ainda que por vezes não se desse conta, e agia com uma certa margem de erro.
Penso que este livro é como que uma forma de Alice se descobrir a si própria, uma vez que nós nunca somos aquilo que pensamos ser, e ter mais consciência de si mesma. Mas por que razão acorda Alice depois de ter desmascarado o baralho de cartas? Na minha opinião é como se Alice tivesse cumprido a sua missão que tinha como objectivo a descoberta e afirmação de si própria; o livro é como que uma viagem, um misto entre o sonho e a realidade, em que Alice (umas vezes grande, outras pequena) busca a sua identidade, árdua tarefa esta com todas as peripécias que sucedem entretanto! Uma vez atingido o objectivo, está na hora de acordar!  
Uma grande parte do nosso tempo foi passado com este livro no 2º período e acho que vai ficar connosco para sempre.

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