Alice no País das Maravilhas
Um dos tópicos propostos, assim como um que suscitou problemas nas aulas, foi o da utilização de palavras não pelo seu significado, mas sim por soarem “pomposas” ou especiais a Alice ou ao interveniente que as utiliza.
É algo de notar que não é apenas neste livro que esta situação acontece. Também no “Do Outro Lado Do Espelho” isto é referido, no seguinte trecho, por exemplo.
-“Quando uso uma palavra” disse Humpty Dumpty num tom deveras desdenhoso, “esta significa apenas o que eu quero que signifique – nada mais, nada menos.”
De alguma maneira, podemos pensar que Alice usa as palavras porque as acha pomposas, pois ainda é jovem e não sabe o que estas significam. Mas como as ouviu em algum lado e gostou da maneira como soavam, resolveu dizê-las para “ver” (ou ouvir) se estas ficavam bem na frase. Para o fim do livro, existe uma situação em que Alice usa uma palavra que normalmente consideraria pomposa, mas usa-a de modo correcto. Daqui podemos retirar uma série de conclusões, algumas precipitadas, das se relevam as teorias de que isto mostra que Alice está a crescer, e também a minha ideia pessoal que isto nos revela o fim do sonho de Alice. Em conjunto com outros factores, tais como o crescimento repentino de Alice, sem esta ter ingerido algo, podemos pensar que o sonho está a chegar ao fim, tal como partes dos sonhos que temos no dia-a-dia são coisas que nos aconteceram enquanto sonhávamos (ex: o baralho de cartas cai em cima de Alice, e quando esta acorda, a irmã está a tirar lhe as folhas secas que caíram da árvore sob a qual estavam).
Pude ainda reparar que, após alguma pesquisa, encontrei o “capítulo perdido” do livro “Do Outro Lado Do Espelho”. Este chama-se “Uma Vespa Numa Peruca” literalmente traduzido, e aqui vi que Alice (presumivelmente mais velha, pois no princípio do livro esta encontra-se a brincar com os filhos de Dinah, a sua gata), ao falar com a Vespa, está a ler uma notícia do jornal e lê uma palavra que a Vespa diz que não existe. Perante esta reacção, Alice tem uma atitude mais “madura” pois parece saber que tal expressão existe e não é só por soar bem que esta a usa.
Uma personagem que teve uma referência a este comportamento foi o Rei, no último capítulo de “Alice no País das Maravilhas”, no seguinte trecho:
-“Isso é muito relevante” disse o Rei, virando se para o júri. (…) quando o Coelho Branco interrompeu “irrelevante é o que vossa Majestade quer dizer, com certeza”. (…)
“Irrelevante, queria eu dizer” (…)”relevante, irrelevante, relevante, irrelevante…” como se estivesse a tentar perceber qual soava melhor.
Isto demonstra que o Rei, tal como Alice no princípio do livro, utilizou as palavras de acordo com a que soava melhor. Tudo isto pode ser conectado, de novo, ao crescimento mental de Alice e à maneira como certas coisas ficam para trás na nossa infância, sendo o Rei uma parte de Alice, a parte que escolhia as palavras por serem pomposas e bonitas e não por terem significado.
No princípio de “Alice no País das Maravilhas”, Alice utiliza as palavras “Longitude”, “Latitude” e “Antipatas” (em vez de antípodas) apenas porque são “pomposas”, apesar de quando utiliza a palavra “Antipatas” parece ter alguma noção do significado desta, pois esta não lhe soou tão bem quanto desejaria. Isto remete-nos, mais uma vez, para variar, para o crescimento mental de Alice. Mesmo antes de nos apercebermos que tudo o que Alice vive é um sonho, recebemos a mensagem de que aqueles acontecimentos são uma passagem da infância para uma idade mais avançada.
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Conclusão
Com a leitura de “Alice no País das Maravilhas”, e complementando com “No Outro Lado Do Espelho” e “As Aventuras de Alice No Subsolo”, podemos verificar que existem várias situações onde as palavras não são utilizadas com os seus significados, mas sim com os significados que os intervenientes querem que estas tenham. Nas palavras de Humpty Dumpty em “ No Outro Lado Do Espelho”:
-“Quando uso uma palavra, esta significa apenas o que eu quero que signifique – nada mais, nada menos.”
Portanto, as palavras têm repercussões completamente diferentes do que se fossem usadas da maneira correcta, ou com o seu respectivo significado. Apesar da ideia de Alice de “Latitude” e “Longitude” ser inexistente, esta demonstra ser algo correcta, pois esta utiliza-a para questionar a sua localização na terra.
Nestes livros os significados das palavras não têm grande importância, pois o que importa é o significado que a personagem lhe quer incutir.
Toda esta ideia de os significados não terem importância perde se à medida que o tempo avança, pois Alice “começa a ter noção” que no resto da sua vida não pode haver essa ideia. Seria absurdo nos dias de hoje responder a um teste com algo do estilo: “a frase é subordinada e latifundiária”. Para as personagens do livro, como é óbvio, é apenas necessário dizer as palavras e esperar que estas tomem sentido no sentido das outras pessoas.
Depois de toda esta trapalhada inconsistente que faz parte do meu cunho pessoal de trabalho, concluo dizendo que nada na “Alice” é o que parece. Tudo tem o seu segundo significado, tudo tem algo mais que se lhe diga. É uma obra que não é fisicamente extensa, mas com ela podemos dar largas à imaginação e retornar a algo que fomos quando éramos (um pouco mais do que somos agora) crianças. “Alice no País das Maravilhas” é definitivamente um título a explorar, por todas as suas facetas, se quisermos recordar-nos de algo, da nossa inocência infantil, ou de uma infância perdida algures nas brumas da memória. Recomendo também a leitura das outras obras de “Alice”, pois são ainda mais um elemento de distracção do mundo em que estamos e da vida que vivemos actualmente.
Rui Silva
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