“Terna é a Noite” de Scott Fitzgerald. A obra foi escrita em 1934 e contem influências biográficas. A acção decorre fulcralmente na Riviera Francesa, numa época de cepticismo e valorização exacerbada dos prazeres materiais, e narra a história de um delicado relacionamento que se estabelece entre um médico (Dick) e paciente (Nicole), quando estes se tornam um casal. Nicole encontra-se no apogeu da sua beleza e constitui uma das famílias mais ricas dos EUA. Possui uma personalidade misteriosa que atrai os que a rodeiam, contudo, as pessoas vão-se apercebendo do seu tratamento inseguro e do raciocínio desorganizado, gerado pela esquizofrenia. A doença agravou quando Nicole era adolescente e foi violada pelo seu pai, o que fez com que esta perdesse a confiança nos elementos do sexo masculino. Esta confiança é reconquistada com a ajuda de Dick. Dick é um jovem e brilhante psiquiatra que se apaixona por Nicole durante o internamento desta. O desgaste acumulado pelo seu trabalho e pela doença da mulher, acabam por afectar o seu equilíbrio psíquico e vai de certa forma ajudá-lo a precipitar-se na dependência do álcool, que usa como anestésico emocional. O casamento destes tem algumas turbulências, causadas principalmente pelas paixonetas de Dick, que por vezes se tornam num caso, como por exemplo, com Rosemary.
Fitzgerald é considerado um dos maiores escritores americanos do século XX, tendo vivido nos Loucos Anos 20 ou Era do Jazz. Esta obra reflecte claramente o estado de espírito da época, uma época de grande prosperidade e liberdade, animada pelo som do jazz e pelo papel da mulher na sociedade. É nesta altura que a mulher começa a ganhar mais liberdade; “Todas se sentiam felizes num mundo de homens. Preservavam a sua individualidade através deles e não por oposição a eles”. Ou seja, nos anos 20, o enquadramento tradicional que era atribuído à mulher era o de esposa e cortesã, sem haver lugar para uma alternativa. Todavia, estas aceitavam isto sem qualquer objecção, o que já não podemos verificar hoje. Actualmente, existe uma certa competitividade entre o sexo masculino e feminino e não é de todo uma ideia concebível para a mulher nesta época. Aceita-se esta dependência dos homens, por prazer, sem asas a qualquer contestado. Durante a obra podemos verificar isto em personagens como Nicole Diver e Mary North. Contudo, há uma personagem que foge a este padrão; Rosemary. Esta, segue o seu caminho autonomamente, sendo projectada pelo estrelato. Foi educada para trabalhar e não para casar e a sua mãe, sua agente, influencia-a e manipula-a de modo a obter tudo o que quer. Rosemary foi assim educada para o trabalho e não para casar. Apesar desta educação, é muito romântica, ingénua e ilógica. Podemos confirmar isto, quando esta se apaixona por Dick, e em vez de pensar por si, recorre à sua mãe e pergunta-lhe o que fazer, pede a aprovação da mãe. E por não saber o que é o amor, pois nunca antes se tinha sentido assim, compara o seu amor pela mãe, pelo amor que tem por Dick e caracteriza-os como iguais.
Para ser sincera, tudo na obra me agradou, desde as mais exuberantes festas às situações mais caricatas, contudo o excerto que mais me marcou foi durante o diálogo do pai de Nicole e o médico desta, quando esta vai ser internada. Marcou-me pelo facto de me identificar com o que subjectivamente retirei daí. Esse pequeno excerto traduz a nossa sociedade. Vou passar a explicar. Ao longo do diálogo podemos aperceber-nos da verdadeira personalidade do pai da jovem; ser vaidoso e egocêntrico, excessivamente preocupado com a imagem e o estatuto. Nas falas de ambos, reparamos em falhas, contradições e mentiras, que constroem a máscara que este usa, e que ao fim ao cabo caracteriza a sociedade, não só naquela época, mas também actualmente. Se pensarmos bem, chegamos à conclusão de que as pessoas se escondem constantemente atrás de uma máscara, de modo a ocultar as suas fraquezas. Fazem isto, pelo medo excessivo de serem rejeitadas e tornam-se naquilo que é agradável aos olhos dos outros e não no que verdadeiramente são. Na minha opinião, isto sucede pois as pessoas necessitam de ser compreendidas. E por detrás do que geralmente aparentam, bem-estar, está um mundo de falsidades e ilusões. As pessoas vão-se adaptando às situações que encontram à sua frente. Todavia, eu penso que isto faz parte da natureza humana. Claro que existem pessoas que se mascaram de uma falsidade colossal, contudo, outras apenas o fazem, pois faz parte dos papéis que temos de desempenhar ao longo da nossa vida e agimos de forma diferente, pois a sociedade assim o exige, exige comportamentos diferentes do normal. Temos de nos moldar ao espaço em que vivemos e essa é a verdade, é preto no branco.
Concluindo, posso apenas acrescentar que é um livro que vale a pena ler, não só pelo contexto histórico, que por si só é algo de extraordinário, mas também pelo facto de Fitzgerald ser um autor de referência e por o livro tratar de assuntos que dão que pensar, de uma maneira muito subtil, misturando relações amorosas, as suas turbulências e a caracterização da sociedade. Queria apenas partilhar um excerto do texto, sem quaisquer explicações. Na apresentação foi um dos tópicos de que falei, mas a turma não esteve presente, por isso, vou deixar-vos tirar as vossas próprias conclusões e reflectirem sobre o assunto. “O seu amor por Nicole e Rosemary, a sua amizade por Abe North, por Tommy Barban, no universo despedaçado do fim da guerra – parecia que de tal maneira estas pessoas se haviam agarrado a ele que ele se havia transformado nelas próprias -, davam-lhe a sensação de que deveria apoderar-se de tudo ou de nada. Era como se estivesse condenado até ao fim da vida a carregar consigo o ego de certos seres, que em tempos conhecera e amaram, e a só ser completo na medida em que eles próprios o fossem. Havia em tudo isto um toque de solidão – era tão fácil ser amado e tão difícil amar.”
Sem comentários:
Enviar um comentário