sexta-feira, 7 de outubro de 2011

O Lado Moral da Morte

A questão que pretendo debater é o tema da justiça, mais detalhadamente, os dilemas morais que enfrentamos por vezes na nossa vida.
Actualmente, a justiça é um tema constantemente comentado. O que será justo? E visto não haver nenhum sistema de justiça perfeito, a pergunta mantém-se e não desaparece. Será que sabemos com exactidão o que manifesta o termo justiça? Este termo provém do latim “justitia” e de forma muito simplificada, diz respeito à igualdade de todos os cidadãos. A justiça defende os direitos do Homem, através de Leis, da sua aplicação em casos específicos. Justo é portanto, aquilo que é equitativo, adequado e legítimo.
Que diriam se vos perguntasse o que vale mais entre a vida de uma pessoa e a vida de cinco? A vossa escolha, seria possivelmente, como a minha, a vida das cinco pessoas. No entanto, se tivessem de sacrificar a vida de esta pessoa, pela vida das cinco, faziam-no? Este assunto está relacionado com os princípios morais de cada pessoa. Os nossos princípios morais, reflectem-se nas nossas escolhas, nas nossas acções. Consoante as mais diversas situações, tendo conhecimento de todos os factos relevantes, iremos tomar decisões diferentes, que revelarão os princípios de conduta em que realmente acreditamos, aquilo por que nos regemos. É por este motivo, que as acções são as reveladoras dos princípios morais, ou seja, a sua função é orientar a nossa conduta. No entanto, perante as situações, devemos agir consoante diferentes princípios. Vou dar-vos alguns exemplos, nos quais irão compreender melhor o que vos digo.
Exemplo 1.
Imaginem que são um camionista, que está a conduzir o seu camião. Na estrada, exactamente à vossa frente, a alguns metros de distância, estão cinco trabalhadores. De repente, apercebem-se que os travões não funcionam, o que implica que os cinco trabalhadores irão morrer. Mas ao olhar para a faixa do lado, deparam-se com um trabalhador, e visto que ainda podem virar, debatem-se com a seguinte situação; podem matar uma pessoa e poupar a vida de cinco, qual será a coisa acertada a fazer?
A maioria das pessoas escolheria a opção de matar apenas uma pessoa, segundo o argumento de que não é correcto matar cinco pessoas, quando se pode matar apenas uma. Outro argumento, seria por exemplo, depreendendo que duas em quatro pessoas apoiam o genocídio, o mais correcto seria matar as cinco pessoas, de forma a evitar o assassinato deliberado de pessoas por motivos étnicos, nacionais, raciais, religiosos e políticos.
Exemplo 2.
Imaginem agora que são um médico, que se encontra numa sala de emergência e seis pessoas dirigem-se a vocês: uma está gravemente ferida e as outras ligeiramente feridas, que não implica dispensa de vigilância médica. Têm de escolher entre cuidar do paciente gravemente ferido o dia inteiro, fazendo com que este sobreviva e os outros morram, ou passar o dia a cuidar dos outros cinco, sabendo que o outro irá morrer.
A maioria salvaria os cinco, pela mesma razão que no primeiro caso, matar uma pessoa é justificável, se se puder salvar cinco.
Exemplo 3.
Se no entanto, estivessem numa ponte e observassem um condutor de um camião a ir em direcção a cinco trabalhadores e se apercebessem de que este não conseguia travar, o que vos levaria a sentirem-se inúteis, e ao olhar para o lado vissem uma pessoa obesa ligeiramente inclinada sobre a ponte e sabendo que se lhe derem um pontapé, essa pessoa irá cair, de modo a travar o camião, que fariam? Ao empurrar a pessoa, poupariam a vida de cinco pessoas, no entanto, matariam outra.
A maioria de vocês não empurraria a pessoa obesa. Comparando com o caso apresentado anteriormente, o princípio já não seria o mesmo; já não se justificaria sacrificar uma vida por cinco. Mas porque será isto? Uma das justificações, a que para mim seria a correcta, será que o segundo envolve uma escolha activa, implica que uma pessoa que não tem nada a ver com o assunto, se envolva. Enquanto no primeiro caso, todos estavam envolvidos (trabalhadores e camionista) na situação, quer queiram, quer não, no segundo é o observador que se escolhe envolver. Contudo, se pensarmos bem, o que estava na faixa do lado também não tinha nada a ver com o assunto inicialmente, não escolheu sacrificar-se. Se considerarmos que ambos morrem, o trabalhador da faixa do lado e a pessoa obesa, acabaremos por concluir que no primeiro caso, morreria por causa do camião, morreria porque se tem de fazer uma escolha, quer se queira, quer não e no segundo, o observador, vocês, escolhem matar uma pessoa inocente, tendo a opção de não o fazer. Contudo, se não o fizerem, cinco pessoas irão morrer.
Exemplo 4.
Imaginando agora, que existem cinco pacientes que necessitam urgentemente de um transplante para sobreviver, um de coração, outro de um pulmão, um rim, um fígado e um pâncreas. Não existem dadores compatíveis, estando assim o cirurgião condenado a desistir e a ver os seus pacientes morrer. De repente, ocorre-lhe que no quarto ao lado, está uma pessoa que tinha ido fazer um check-up e neste momento, se encontra a dormir. O médico tem a ideia de matar essa pessoa, retirando os órgãos que fazem falta aos outros cinco, de modo a salvá-los.
Provavelmente, ninguém o faria.
Estes quatro exemplos estão relacionados com os princípios morais. O primeiro e o segundo exemplo apresentados anteriormente, remetem-nos para a ideia de que sacrificar uma vida por cinco, é a coisa correcta a fazer. E porque será isto? Os nossos princípios morais encaminham-nos nestes casos para a via mais fácil; a forma como agimos depende das consequências que resultam da nossa acção. Ao fim do dia, o melhor é sobreviverem cinco pessoas, mesmo que uma pessoa tenha de se sacrificar por estas. Este é um exemplo de um raciocínio moral consequencialista, ou seja, a moral depende da consequência do acto. Nos exemplos restantes, terceiro e quarto, o princípio moral afirma que as razões deste acto têm a ver com a intrínseca qualidade do acto em si, o que faz com que comecemos a hesitar nas nossas decisões, a mostrar-nos relutantes, pensando que é meramente errado, categoricamente errado matar uma pessoa inocente, mesmo preservando a vida de cinco pessoas. Isto leva-nos para um segundo princípio moral, um princípio categórico, ou seja, a moral encontra conforto em certos direitos e deveres, independentemente das consequências. Será algum destes princípios justo? Estão ambos relacionados com a vida humana. O que é para vocês a vida humana? Não se trata de uma questão simples. Eu diria que a vida humana tem a ver com a nossa relação com a natureza, é algo único e irreplicável, que exige respeito absoluto, ou seja, não deve ser tratada como um meio, mas como um fim.
Voltando aos casos acima apresentados; muitos de nós diríamos que o primeiro e o segundo caso fazem mais sentido, pois, segundo o utilitarismo, o correcto será preferir a “felicidade” ao sofrimento. Sendo assim, se só uma pessoa morresse, estaríamos a contribuir para um bem maior. No entanto, no terceiro e quarto caso, já nos referimos a vidas inocentes, não relacionadas com o assunto inicialmente. Todavia, estaremos sempre a matar alguém. Será alguma vez justo atribuir um valor limitado à vida humana? Nada nos dá o direito de acharmos que a vida de uma pessoa é inferior à vida de cinco, no entanto, dizer que uma vida é superior a cinco não faz sentido, daí o conceito de justiça ser tão complicado. Depreendo que todos concordam quando afirmo que nada pode igualar a vida humana; é algo único, incomparável e insubstituível. Pode-se dizer que todos temos um valor, um valor intrínseco, que demonstra a nossa integridade e responsabilidade, consoante a natureza na qual fomos criados. Se a vida humana não tivesse valor, não faríamos a diferença, podíamos ser substituídos. Felizmente, não é isso que sucede, todos temos um valor, um valor que nos define, que nos proporciona a capacidade de sermos únicos. É por este motivo, que quando morremos, quando qualquer pessoa morre, quer nos diga alguma coisa, quer viva no outro lado do mundo, fará sempre uma diferença na vida de alguém. E nunca sabemos quando essa vida poderá ser a nossa, ou a de alguém próximo de nós. Logo, pensem, se tivessem de fazer alguma das escolhas acima, o que fariam? De qualquer das formas, estariam a matar alguém e que muito provavelmente tem entes queridos. Claro que não poderiam evitar nenhuma destas mortes, mas isso marcaria uma diferença na vossa vida não? Digamos que se trata de uma questão moral, neste caso o lado moral da morte.

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