PRIMEIRA
PARTE: BRASÃO
Bellum
sine bello.
V.
O TIMBRE
A OUTRA ASA
DO GRIFO / AFONSO DE ALBUQUEROUE
De pé, sobre os
países conquistados
Desce os olhos
cansados
De ver o mundo
e a injustiça e a sorte.
Não pensa em
vida ou morte
Tão poderoso
que não quer o quanto
Pode, que o
querer tanto
Calcara mais do
que o submisso mundo
Sob o seu passo
fundo.
Três impérios
do chão lhe a Sorte apanha.
Criou-os como
quem desdenha.
Afonso
de Albuquerque nasceu em 1453 e faleceu em 1515. Foi um fidalgo, militar e o
segundo governador da Índia portuguesa cujas acções militares e políticas foram
determinantes para o estabelecimento do império português no Oceano Índico. Pouco antes da sua morte foi agraciado com o título de vice-rei e "Duque de Goa" pelo Rei D. Manuel I, que nunca usufruiu, no que foi o primeiro português a
receber um título de além-mar e o primeiro duque nascido fora da família real. Foi o segundo
europeu a fundar uma cidade na Ásia, o primeiro foi Alexandre, O Grande.
O poema centra-se no
desempenho de Afonso de Albuquerque na Ásia, por contrapartida com o seu
descrédito na corte de Lisboa motivado por invejas.
"tão poderoso que não quer o quanto
pode, que o querer tanto calcara mais do que o mundo sob o seu passo"
Albuquerque podia até
ter-se proclamado imperador, mas sempre foi súbdito fiel do Rei D.Manuel. Não
queria o quanto podia porque o seu sucesso lhe pesava mais sobre os ombros (por
ter perdido o favor real) do que a conquista pesara aos povos submetidos.
"três impérios
lhe a Sorte apanha"
Refere-se às conquistas de Goa (na Índia), Malaca
(na Malásia) e Ormuz, no Golfo Pérsico.
"apanha-os como
quem desdenha"
Submete-os como se isso fosse coisa de pouca
monta.
SEGUNDA
PARTE: MAR PORTUGUEZ
Possessio
maris.
I. O INFANTE
Deus quer, o homem
sonha, a obra nasce.
Deus quis que a
terra fosse toda uma,
Que o mar unisse,
já não separasse.
Sagrou-te, e foste
desvendando a espuma,
E a orla branca foi
de ilha em continente,
Clareou, correndo,
até ao fim do mundo,
E viu-se a terra
inteira, de repente,
Surgir, redonda, do
azul profundo.
Quem te sagrou
criou-te portuguez..
Do mar e nós em ti
nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e
o Império se desfez.
Senhor, falta
cumprir-se Portugal!
"Foste desvendando a espuma e a orla branca
foi de ilha em continente..."
A espuma das ondas que acabam nas praias ou
rebentam contra os rochedos marca as costas com uma orla branca. A frase
anterior é uma forma poética de dizer que as costas foram sendo descobertas,
primeiro as ilhas e depois os continentes, "até ao fim do mundo".
"Quem te sagrou criou-te português"
Porque, segundo Fernando Pessoa, Deus fadou Portugal para um magno
destino e o Infante foi, por assim dizer, parte do "puzzle".
"Do mar e nós, em ti nos deu sinal"
Através de ti revelou-nos que o nosso
destino era o Mar.
"Cumpriu-se o Mar e o Império se desfez...falta
cumprir-se Portugal"
Cumpriu-se o destinado: o Mar foi
desvendado; o Império Português (isto é, o controle das rotas oceânicas e a
hegemonia no Índico) desfez-se. Pessoa pensa que Portugal está destinado à
grandeza futura, e isso ainda não se cumpriu!
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