quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Curriculum vitae

Na verdade, falar sobre mim é talvez uma das piores qualidades que possuo.
Todos os dias, acordo com uma realidade que é a de ter tido um cancro. Vamo-nos cruzando com vários obstáculos ao longo da vida, uns mais fáceis e outros mais difíceis de ultrapassar. Este, posso dizer que é um obstáculo mais difícil. Quando temos uma doença deste género, preocupamo-nos logo com as mudanças físicas que vai provocar em nós, mas isso não é o mais importante, pois o que somos por dentro é que é. Com esta “experiência” tive uma oportunidade que raramente temos, a de ver a vida com outros olhos, com os olhos de pessoas que têm problemas toda a sua vida e que tem de conviver com isso todos os dias, apesar de neste caso não durar para sempre.
                Passei grande parte do meu 9º ano em hospitais, principalmente no I.P.O. (Instituto Português de Oncologia) de Lisboa. O tempo que ali passei, chegou para perceber que nem todos temos a mesma reacção quando recebemos uma notícia desta dimensão. Fui vendo pessoas fragilizadas, que não aceitavam ter a doença, outras que embora aceitassem, os pais não queriam reconhecer. O ambiente que se gera à nossa volta numa situação destas é muito importante para a forma como encaramos tudo isto. Se nem os nossos pais são capazes de aceitar isso, então quem será? Outras, encaravam bem, apesar de sofrerem vários efeitos secundários, como a queda de cabelo, náuseas, vómitos, febre, alterações de pele e unhas, … Isto são só alguns exemplos, e ainda temos de lidar com os olhares fixos das pessoas. Não é nada fácil. Temos de tentar levar uma vida o mais normal possível, tentar manter a nossa rotina. Pode ser muito difícil, mas só assim conseguimos evitar irmo-nos abaixo. Temos de mostrar que somos pessoas normais, que lá por termos uma doença, não somos anormais nenhuns. É nestas alturas, que podemos ver quem são as pessoas mais verdadeiras e as que não se importam com o nosso aspecto, mas sim com o que somos no interior. E vim a descobrir, que tenho mais amigos do que julguei. O seu apoio foi incondicional e muito importante para a maneira como encarei o cancro. Assim como o apoio da minha família.
                Vê-se desde recém-nascidos até idosos. Mas, na pediatria, onde fui tratada, apenas convivia com jovens até aos 18. Lutamos todos para combater a doença, mas nem sempre somos bem sucedidos. Alguns têm recaídas e outros chegam a falecer. Mas, não é por isso, que os pais, a família e os amigos se vão abaixo, muito pelo contrário. Grande parte das vezes, torna-se num encorajamento para fornecer às crianças oncológicas uma vida o mais regular possível, criando associações, honrando assim a memória dos filhos. Desde idas a programas televisivos, passeios de catamarã, idas à Disneyland, campeonato GT de Espanha, ida ao Rock in Rio, à Kidzania, até motas de água e equitação. Uma das associações com a qual fui a diversas actividades e de que neste momento sou voluntária, é a Associação Inês Botelho. Fundada pela mãe da Inês, Isabel, que quando a filha morreu, juntamente com o resto da família criou esta associação para dar mais alegria na vida de jovens que passaram por este tipo de situação.
A cada dia que passou, fui-me tornando mais forte, pois não fui imune ao sofrimento. Aprendi e cresci. Devemos aproveitar todos os segundos de cada dia, pois nunca sabemos o que se irá passar nos segundos a seguir. Por esse mesmo motivo, enfrento todos os desafios que se põem no meu caminho como novos obstáculos. Uma coisa que nunca abandono é a felicidade, pois ser feliz é isso mesmo, viver a vida, enfrentados os estorvos que se vão atravessando no caminho.

Madalena Resende


5 comentários:

  1. Gosto imenso do teu texto Madalena! A partir deste texto pudemos ver o perceber por tudo o que passaste e estas a passar. Parabéns

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  2. Bem grande texto.
    Agora que penso o meu texto estava cheio de coisas banais e quando leio o teu até fico envergonhada.
    Adorei a capacidade que tiveste de abrir e contar algo que nem todos têm a capacidade de contar.
    É bom ver como encaras esse obstáculo, obrigada por pores isto aqui.
    tal como a magui disse, parabéns

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  3. Lindo, mereces um prémio, sem palavras para além das tuas. Grande Madalena Resende.

    Ricardo Lopes.

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  4. És a maior Madalena, mais nada!

    Maria Francisca

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