Toma-me,
ó noite eterna, nos teus braços
E
chama-me teu filho.
Eu
sou um rei que voluntariamente abandonei
O
meu trono de sonhos e cansaços.
Minha
espada, pesada a braços lassos,
Em
mão viris e calmas entreguei;
E
meu cetro e coroa – eu os deixei
Na
antecâmara, feitos em pedaços.
Minha
cota de malha, tão inútil,
Minhas
esporas de um tinir tão fútil,
Deixei-as
pela fria escadaria.
Despi
a realeza, corpo e alma
E
regressei à noite antiga e calma
Como
a paisagem ao morrer do dia.
Fernando Pessoa
Diz-se
que este poema é um relato exacto de como foi escrito e em que estado de
espírito o autor estava quando o escreveu pois, segundo o que se sabe, Fernando
Pessoa escreveu, em Fevereiro de 1913, uma carta a um amigo a contar o que se
passava consigo, o que sentia e que ia escrever um poema.
Este
poema de Fernando Pessoa é um soneto (14 versos) e aborda um tema bastante
recorrente nos poemas de sua autoria – a noite e a solidão. No caso deste
poema, a noite simboliza a solidão (que não era estranha a Pessoa pois fazia
parte do seu dia-a-dia). É um poema bastante calmo devido ao sentimento que o
autor tinha quando o escreveu.
O
título deste poema –‘Abdicação’- está presente em todas as estrofes. Abdicar é
desistir, ceder, e é algo que está presente em toda a obra. Este poema
demonstra também dignidade devido ao facto de o poeta abdicar das suas coisas. Na
1ªestrofe podemos realçar os dois últimos versos –‘ Eu sou um rei que
voluntariamente abandonei / O meu trono de sonhos e cansaços.’; na 2ªestrofe a
presença de abdicação está nos verbos ‘entreguei’ e ‘deixei’; na 3ªestrofe
podemos ter atenção no verbo ‘deixei-as’ e na 4ªestrofe são os verbos ‘despi’ e
‘regressei’ que remetem à abdicação.
Sem comentários:
Enviar um comentário