Em Portugal, o modernismo surgiu
publicamente em 1915 com a publicação da revista “Orpheu”. De entre os grupos
de vários autores plásticos que participaram no movimento, que viria a ser
conhecido como “os de Orpheu”, destacam-se os nomes de Fernando Pessoa, Mário
de Sá-Carneiro, Almada Negreiros, Amadeu de Souza-Cardoso. Os homens deste
movimento modernista escandalizaram e assustaram os intelectuais e a sociedade
da época.
O interseccionismo é um movimento
literário de vanguarda criado por Fernando Pessoa e que se caracteriza pela
intersecção no poema de vários níveis simultâneos de realidade. Processo típico
da pintura futurista (caraterizado por sobreposições dinâmicas), que depois se
aplicou à poesia do Modernismo. O poema "Chuva Oblíqua", de Fernando
Pessoa (in "Orpheu" nº2, 1915), é talvez o exemplo mais significativo
deste novo processo. Nele se cruzam a paisagem presente e ausente, o atual e o
pretérito, o real e o onírico, o poeta é uma alma dividida, que capta subtis
correspondências de sensações.
Que pandeiretas o silencio deste quarto!...
As paredes estão na Andaluzia…
Há danças sensuais no brilho fixo da luz…
De repente todo o espaço pára…
Pára, escorrega, desembrulha-se….,
E num canto do teto, muito mais longe do que ele está,
Abrem mãos brancas janelas secretas
E há ramos de violetas caindo
De haver uma noite de Primavera lá fora
Sobre o eu estar de olhos fechados…
Na quarta parte do poema, o
espaço interior (o Quarto) abre-se para o mundo exterior e o silêncio é
imaginariamente invadido pelas pandeiretas das danças na Andaluzia. O distante
ruidoso vem interseccionar o silêncio que rodeia o poeta. É esperado que o
poeta encontre neste mundo exterior o que não pode encontrar dentro de si. No
quarto e no quinto verso, o sujeito poético utiliza palavras como, “Pára,
escorrega, desembrulha-se”, de forma a ampliar o ser interior real que é de
infelicidade, mostrando negatividade e amargura.
Enquanto a partir do sexto verso,
existe uma espécie de interiorização do exterior, passa-se da pura
interioridade para a admissão de dois mundos – o exterior e o interior – que
comunicam através de “janelas secretas” com “ramos de violetas” e “uma noite de
Primavera lá fora”. Na minha opinião o poeta tem grande dificuldade em
ultrapassar o seu mundo interior, representado pelas “janelas secretas” e penetrar
no mundo exterior, que é “a noite de Primavera lá fora”. Na quarta parte da
Chuva Obliqua, bem como nas outras partes é possível ver-se a constante
fragmentação do “eu”: ao longo do poema o sujeito poético revela-se duplo, na
busca de sensações que lhe permitem antever a felicidade ansiada, mas inacessível.
Mas também recria vivências que se interseccionam com outras que, por sua vez,
dão origem a novas combinações de realidade/idealidade. A partir do sexto verso
parece transparecer dos versos uma ideia de esperança de alcançar a felicidade
entre os planos, mas é apenas uma “ideia” de esperança pois o poeta ortónimo,
vive da transição de planos, e da dúvida.
A análise deste poema pode muito
bem trazer-nos à ideia um quadro de pintura futurista, por exemplo, de Picasso,
com todas as interações, desconexas e caóticas, de linhas e planos, “Chuva Obliqua”
pode ter sido, pois, uma resposta lírica ao movimento futurista internacional, no
campo da pintura, da escultura e da música, que tanto espantava e até atacava,
o mundo cultural de então.
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