sexta-feira, 15 de março de 2013

"Chuva obliqua", IV parte


Em Portugal, o modernismo surgiu publicamente em 1915 com a publicação da revista “Orpheu”. De entre os grupos de vários autores plásticos que participaram no movimento, que viria a ser conhecido como “os de Orpheu”, destacam-se os nomes de Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, Almada Negreiros, Amadeu de Souza-Cardoso. Os homens deste movimento modernista escandalizaram e assustaram os intelectuais e a sociedade da época. 
O interseccionismo é um movimento literário de vanguarda criado por Fernando Pessoa e que se caracteriza pela intersecção no poema de vários níveis simultâneos de realidade. Processo típico da pintura futurista (caraterizado por sobreposições dinâmicas), que depois se aplicou à poesia do Modernismo. O poema "Chuva Oblíqua", de Fernando Pessoa (in "Orpheu" nº2, 1915), é talvez o exemplo mais significativo deste novo processo. Nele se cruzam a paisagem presente e ausente, o atual e o pretérito, o real e o onírico, o poeta é uma alma dividida, que capta subtis correspondências de sensações.

Que pandeiretas o silencio deste quarto!...

As paredes estão na Andaluzia…

Há danças sensuais no brilho fixo da luz…

 

De repente todo o espaço pára…

Pára, escorrega, desembrulha-se….,

E num canto do teto, muito mais longe do que ele está,

Abrem mãos brancas janelas secretas

E há ramos de violetas caindo

De haver uma noite de Primavera lá fora

Sobre o eu estar de olhos fechados…

 

Na quarta parte do poema, o espaço interior (o Quarto) abre-se para o mundo exterior e o silêncio é imaginariamente invadido pelas pandeiretas das danças na Andaluzia. O distante ruidoso vem interseccionar o silêncio que rodeia o poeta. É esperado que o poeta encontre neste mundo exterior o que não pode encontrar dentro de si. No quarto e no quinto verso, o sujeito poético utiliza palavras como, “Pára, escorrega, desembrulha-se”, de forma a ampliar o ser interior real que é de infelicidade, mostrando negatividade e amargura.
Enquanto a partir do sexto verso, existe uma espécie de interiorização do exterior, passa-se da pura interioridade para a admissão de dois mundos – o exterior e o interior – que comunicam através de “janelas secretas” com “ramos de violetas” e “uma noite de Primavera lá fora”. Na minha opinião o poeta tem grande dificuldade em ultrapassar o seu mundo interior, representado pelas “janelas secretas” e penetrar no mundo exterior, que é “a noite de Primavera lá fora”. Na quarta parte da Chuva Obliqua, bem como nas outras partes é possível ver-se a constante fragmentação do “eu”: ao longo do poema o sujeito poético revela-se duplo, na busca de sensações que lhe permitem antever a felicidade ansiada, mas inacessível. Mas também recria vivências que se interseccionam com outras que, por sua vez, dão origem a novas combinações de realidade/idealidade. A partir do sexto verso parece transparecer dos versos uma ideia de esperança de alcançar a felicidade entre os planos, mas é apenas uma “ideia” de esperança pois o poeta ortónimo, vive da transição de planos, e da dúvida.
A análise deste poema pode muito bem trazer-nos à ideia um quadro de pintura futurista, por exemplo, de Picasso, com todas as interações, desconexas e caóticas, de linhas e planos, “Chuva Obliqua” pode ter sido, pois, uma resposta lírica ao movimento futurista internacional, no campo da pintura, da escultura e da música, que tanto espantava e até atacava, o mundo cultural de então.

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