Este
é o vosso último dia de aulas no Ensino Secundário, assim considerado de acordo
com o calendário lectivo. Este é o último dia em que vos encontro nas
circunstâncias específicas de uma sala de aula. Diz-se que estes dias são dias
de despedida. É verdade. Por esse motivo, costumam ser feitos balanços e demais
considerações acerca do passado. Neste caso seria de um passado comum que
convosco tive o privilégio de partilhar.
Contudo,
não é do nosso passado comum que me lembrei de vos falar hoje. Desse passado
permanecerão as memórias que trazemos nas nossas lembranças e que a todos nós
permitirão um dia convocar a nostalgia que nos alimenta nos momentos difíceis e
que nos consolam em direcção ao futuro individual que cada um de nós tem pela
frente.
O
meu tópico final que hoje vos apresento, a alguns ao fim de seis anos,
dirige-se ao futuro. A um futuro que, embora não tenha parecido muitas vezes,
sempre esteve presente nas nossas aulas, até porque, num certo sentido, as
pessoas de tenra idade ainda não têm passado e, apesar de viverem imersas num
presente que fervilha, criando a ilusão de que apenas ele existe, só têm
futuro.
De
qualquer forma, como tudo aquilo que é de facto essencial, o futuro de que vos
quero falar só pode fazer sentido se o conseguirmos contemplar de acordo com a
nossa História, que o mesmo é dizer, de acordo com os valores da tradição
cultural que nos molda e que, por sua vez, nós temos de moldar.
O
tópico de que vos falo, enfim, é a Liberdade.
Ocorreu-me
falar-vos de Liberdade, partindo de um autor antigo, de um dos maiores autores
que a nossa civilização alguma vez conheceu: Dante Alighieri.
Não
consigo conceber uma sociedade futura sem Liberdade e vocês serão os agentes
que hão-de transformar essa sociedade.
A
liberdade separa águas entre a cega escuridão infernal e a transparente
alvorada “de um zéfiro oriental” que acolhe Dante e Virgílio no Purgatório.
Esta é uma liberdade muito diferente daquela que nós, modernos, entendemos como
tal. A nossa liberdade é uma liberdade política, assente no abuso de uma
legislação ou de um poder opressor. É uma liberdade social, que resulta da
necessidade e da desigualdade. É uma liberdade pessoal, não condicionada, resultante
de uma realização pessoal de si, ou do prazer próprio. Falamos em liberdade de
voto, de consciência, de opinião. É destes conceitos que falamos quando
comumente falamos em liberdade. No entanto, quando falamos de Dante, a ideia de
liberdade não é de uma liberdade de alguma coisa, mas sim de uma liberdade que
provém de alguma coisa. Para Dante, a liberdade é o avesso da servidão. Numa
carta dirigida aos seus contemporâneos, o autor da Commedia enuncia quatro verbos de coacção que delimitam com
exactidão a ideia oposta à de liberdade. Os verbos são: dominar, obrigar,
aprisionar, proibir. Para Dante, a liberdade resulta de um contraste e, por
conseguinte, de um compromisso com o objectivo de ultrapassar a condição de
escravidão.
Ao
longo dos anos fomos lendo obras diversificadas. A literatura proporciona-nos a
possibilidade de pensarmos e de, através das ideias que vamos construindo,
desenharmos o nosso próprio destino, ou pelo menos de nos iludirmos perante a
possibilidade de dominarmos o mundo, mesmo que esse mundo seja o do nosso
quintal. Um quintal onde nos podemos sentir confortáveis, mas cuja ideia de
permanência não está imune à vulnerabilidade dos tempos.
Há
um par de anos, muitos pensariam impensável a supressão de direitos
fundamentais a que hoje em dia vamos assistindo. De tal modo essa perda se tem
processado de forma sistemática e precisa que, durante muito tempo, pareceu
indolor. Contudo, com o tempo, e por via dessas perdas acumuladas, a nossa
sociedade debilitou-se e a ideia de progresso imparável que durante muito tempo
moldou o pensamento do cidadão comum, deu lugar a uma época de incertezas.
Não
podemos dizer que não temos liberdade: de expressão, de voto, por exemplo.
Contudo, o sentido do conceito de liberdade tem sido esvaziado. Vivemos num
período histórico perigoso, movido pela necessidade. O homem que se quer livre
é aquele que não vive da necessidade de satisfação das coisas básicas de vida.
O homem que vive submerso na necessidade de satisfação daquilo que é básico
passa a ter em risco, para além dos bens de satisfação imediatos, algo que é
ainda mais importante: a sua dignidade.
O
ponto a que chegámos requer pessoas informadas e capazes de conceber juízos
críticos que proporcionem o restabelecimento de uma sociedade vigorosa e digna,
e, por conseguinte, Livre.
Como
podem observar, as notícias que vos trago não são as mais promissoras, porque
implicam um trabalho árduo de restabelecimento de uma ordem nova, de um mundo
novo em que os homens possam sentir-se de facto o centro das decisões mais
importantes das suas vidas. Essa tarefa está destinada a ser cumprida pela
vossa geração.
Desejo-vos
coragem, tenacidade, teimosia na prossecução da tarefa.
O
futuro está aí!
Resta-me
agradecer a paciência que sempre tiveram para comigo e a forma sempre educada e
gentil como me trataram ao longo destes anos em que a escola foi sempre um
lugar muito agradável para mim.
Carlos Jesus
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