XVI
Quem me dera que a minha vida fosse um carro de bois
Que vem a chiar, manhaninha cedo, pela estrada,
E que para de onde veio volta depois
Quase à noitinha pela mesma estrada.
Eu não tinha que ter esperanças — tinha só que ter rodas...
A minha velhice não tinha rugas nem cabelo branco...
Quando eu já não servia, tiravam-me as rodas
E eu ficava virado e partido no fundo de um barranco.
Ou então faziam de mim qualquer coisa diferente
E eu não sabia nada do que de mim faziam...
Mas eu não sou um carro, sou diferente
Mas em que sou realmente diferente nunca me diriam.
O tema central deste poema é claramente a vida.
A expressão inicial "quem me dera" seguida do subjuntivo "fosse" remete para um desejo do poeta, assim como para a sua insatisfação em relação à sua vida. Esta expressão também pode indicar que o sujeito poético tem a consciência de que a sua vontade de ser outro ou outra coisa é impossível.
- Negação de si mesmo
Alberto Caeiro é considerado Mestre porque dentro dos heterónimos é o mais equilibrado, uma vez que é o único totalmente exterior e que percebe a singularidade das coisas devido à sua forma de ver que se caracteriza como neutra, exterior.
Neste poema, Alberto Caeiro vai contra as suas ideologias na medida em que nega a sua existência, rejeita a realidade, ao querer ser algo que não é.
Esta situação é comparável com Fernando Pessoa Ortónimo uma vez que este, no poema "Ela canta pobre ceifeira" deseja ser inconsciente, ingénuo, como a ceifeira pois essa é a única causa da sua alegria.
- O desejo de ser inconsciente e as sensações
Este desejo de ser inconsciente está ligado à dor de pensar e à anulação do pensamento metafísico.
Para Caeiro, a sensação é a forma de conhecimento do mundo, sendo mais importante ver e sentir do que o verdadeiro acto de pensar.
Deparamo-nos assim com um paradoxo: sensação/verdade, pensamento/mentira.
Alberto Caeiro crê que o ser humano é concebido como um ente sem dentro e sem interior, isto é, a relação do ser humano com a realidade é guiada pelo exterior, pelo factor fora, tenho como referencial o corpo.
- Alberto Caeiro e Nietzsche
"É preciso destruir a moral para libertar a vida"
Segundo Nietzsche, a cultura ocidental está envenenada por uma certa moral que desvaloriza o mundo sensível de tudo o que é corpóreo, valorizando a razão.
Esta sobrevalorização da razão é para Nietzsche um sintoma de decadência e de falta de vitalidade.
Nietzsche considera que a razão é um instrumento que despreza tudo o que é difícil controlar, ou seja, o corpo, as emoções e os sentimentos.
Da mesma maneira, Caeiro defende que a sensação é mais importante do que a racionalidade, pois ela traduz sempre aquilo que é verdadeiro.