Nos dias de hoje emprega-se muito esta palavra, por vezes, acho, em vão.
"Mãe! Acabaram-se as bolachas! Isto é uma crise de bens!", ou, "Pai, o comando já não tem pilhas! Está tudo tramado com esta (crise) é que a família não passa!". Capaz de serem exagerados os exemplos, demasiado ridículos e fúteis.
Há dias eu e o meu avô enquanto almoçávamos, num dia abençoado de sol e belo, em frente de uma “caixa quadrada” que transmite imagens e sons que emite a desgraça através de palavras repetidas e de poucas sílabas como se fossem escritas por alguém que não sabia escrever ainda há 10 minutos.
Olhei para ele, como sem razão aparente, sem intenção para tal, como se alguém me manipulasse como uma marioneta. Sem vontade para falar com ele sobre qualquer coisa, quebrei o silêncio, entre os tilintares dos talheres sobre a loiça e o som que os copos fazem a bater na mesa. Saiu-me da boca, sem razão alguma, sem intenção nem vontade para tal, falei-lhe, e disse-lhe:
“Avô, quando eras pequeno, existiam crises deste género?”
Ele olhou-me serenamente, com calma de seguida baixou o olhar em direcção do seu copo de vinho tinto, e respondeu:
Acho que não, antigamente (anos 40/50), tudo era mau e nada mesmo era bom, lembro-me de racionarem os alimentos por causa da guerra. De ver o meu pai, ao longe a trabalhar no campo, do sol nascer ao sol deitar.
Ele nunca se queixava, dizia sempre: “A maior fortuna que possuo para lá dos meus familiares e de minha casa é o meu trabalho”. De facto era, alimentava-nos, a mim, a minha mãe e os meus 3 irmãos e irmã. Passados esses momentos mais difíceis, lembro-me de correrias com os meus irmãos, brincadeiras típicas de rapazes, como o jogo de pau que se praticava na família há gerações. Lembro-me de jogar futebol, com peúgas recheadas de areia, não haviam computadores! Lembro-me de andar km para a escola que havia sido construída poucos meses antes de nascer, ordem directa de Salazar, pois não haviam escolas básicas num raio de 35 km. Agora vejo, bem, ninguém a fazer filas para receberem os alimentos racionados, ninguém a trabalhar mais de 10 horas por dia, ninguém a pontapear “peúgas de areia” só bolas bem “finas”. Todos agora têm a escola aqui mesmo ao lado. Se havia crise antigamente? Não, se havia ninguém chamava tal coisa. Hoje? Vive-se melhor que há uns anos, como posso chamar crise a uma melhoria?
Percebi, sem grandes reflexões o que o meu avô queria dizer, antigamente não era crise, era a normalidade, hoje, seria crise e apesar de vivermos melhor do que há 50 ou 60 anos, chamamos crise a este preciso momento em que desfrutamos de uma vida mais completa. Então, o que é a crise?
Ricardo Azevedo Lopes
Boa, Ricardo! Existem mesmo diferentes maneiras de encarar a crise.
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