“Conselho”
é um poema de Fernando Pessoa, publicado no mesmo mês que este falecera,
pensando-se ser o seu último poema. É um poema que faz parte da poesia do
ortónimo.
A
poesia do ortónimo é uma tentativa de resposta a várias inquietações que
perturbam o poeta. Pessoa recusa o mundo sensível, privilegiando o mundo
inteligível, platónico, aquele a que ele não tem acesso, pela sensação de
inquietação que sente face às suas perceções. Esta inquietação dá origem a uma
poesia abrangente a várias tendências que vão desde a nostalgia dum bem perdido
(infância) até ao interseccionismo impressionista. Uma das principais
características do poeta ortónimo é a dor de pensar, expressa em tensões e
dicotomias que espalham a sua complexidade interior.
É
na escrita ortónimo, mais facilitada e abreviada, que aparecem os temas mais
estranhos e misteriosos bem como a presença de temas como Pensar/Sentir; Sinceridade/Fingimento
e Consciência/Inconsciência, é este último tema que o poema “conselho” vai dar
mais importância.
Cerca
de grandes muros quem te sonhas.
Depois,
onde é visível o jardimAtravés do portão de grade dada,
Põe quantas flores são as mais risonhas,
Para que te conheçam só assim.
Onde ninguém o vir não ponhas nada.
A
primeira estrofe do poema, dá-nos claramente a ideia de
inconsciência/interioridade e de consciência/exterioridade. O autor utiliza os
sonhos para representar o nosso inconsciente, visto que é neste que eles se
formam e são exclusivamente nossos, desta forma ele diz que devemos cercar o
nosso interior de grandes murros, de modo a proteger os nossos sonhos, bem como
os nossos pensamentos e nunca os revelar. Por outro lado, Pessoa utiliza as
flores para representar o consciente, sendo flores algo bonito que toda a gente
aprecia, o autor diz que devemos mostrar o nosso exterior, revelar aos mais próximos
de nós quem realmente somos. As “flores risonhas”, representam as qualidades
que devemos expor para os outros. Nesta estrofe, é também visível a preferência
do autor, ao seu interior, ao seu “sonho de si próprio” do que ao exterior.
Faz canteiros como os que outros têm,
Onde os olhares possam entrever
O teu jardim como lho vais mostrar.
Mas onde és teu, e nunca o vê ninguém,
Deixa as flores que vêm do chão crescer
É deixa as ervas naturais medrar.
A
segunda estrofe reforça a ideia iniciada por Fernando Pessoa na primeira estrofe,
nos três primeiros versos, Pessoa diz que devemo-nos misturar com a multidão,
que devemos seguir a corrente, “Faz canteiros como os que outros têm”, é nossa
obrigação plantar flores nos nossos jardins, tal como os outros fazem. Os três últimos
versos dizem exatamente o contrário em relação ai interior/inconsciente. O
“onde és teu”, é um lugar qua apenas nós devemos aceder e é nosso dever
recalcar os sonhos e pensamentos mais íntimos, para que ninguém se aperceba da
sua existência. É nesse local que tudo pode crescer livre, ou seja, que os
sonhos podem crescer e se realizar.
Faz
de ti um duplo ser guardado;
E
que ninguém, que veja e fite, possaSaber mais que um jardim de quem tu és –
Um jardim ostensivo e reservado,
Por trás do qual a flor nativa roça
A erva tão pobre que nem tu a vês…
Por
fim a ultima estrofe, que revela estes dois mundos, o exterior e o interior,
sendo indispensáveis um ao outro. “Faz de ti um duplo guardado”, cada um tem de
atuar como um agente secreto, onde a sua missão é utilizar um disfarce para
proteger a sua verdadeira identidade, o seu verdadeiro “eu”. Enquanto o
exterior serve-se de uma aparência, indispensável para o quotidiano, é no
interior onde o céu não é o limite, onde crescem sonhos e pensamentos, como se
lhe dessemos adobo, mas que nunca podem ser revelados, pois se estes
pensamentos saíssem para o exterior, seria como ver crescer ervas doninhas, no
meio de jardins perfeitos cheios de flores harmoniosas.
Depois
de analisar-mos o poema, verso a verso, é fácil entender a escolha de Fernando
Pessoa, quanto ao título, este poema serve como um conselho por parte do autor,
após tantos anos de vida, Pessoa, queria deixar a sua opinião do funcionamento
do mundo. Assim, na minha opinião este poema, serve como uma chave para toda a
leitura de Fernando Pessoa, sendo como uma introspeção que o autor faz a si próprio
no fim da sua vida, parecendo até que adivinhava que se avizinhava a sua morte.
Maria Carmo