sábado, 5 de janeiro de 2013

Poema "Conselho"


“Conselho” é um poema de Fernando Pessoa, publicado no mesmo mês que este falecera, pensando-se ser o seu último poema. É um poema que faz parte da poesia do ortónimo.

A poesia do ortónimo é uma tentativa de resposta a várias inquietações que perturbam o poeta. Pessoa recusa o mundo sensível, privilegiando o mundo inteligível, platónico, aquele a que ele não tem acesso, pela sensação de inquietação que sente face às suas perceções. Esta inquietação dá origem a uma poesia abrangente a várias tendências que vão desde a nostalgia dum bem perdido (infância) até ao interseccionismo impressionista. Uma das principais características do poeta ortónimo é a dor de pensar, expressa em tensões e dicotomias que espalham a sua complexidade interior.

É na escrita ortónimo, mais facilitada e abreviada, que aparecem os temas mais estranhos e misteriosos bem como a presença de temas como Pensar/Sentir; Sinceridade/Fingimento e Consciência/Inconsciência, é este último tema que o poema “conselho” vai dar mais importância.

Cerca de grandes muros quem te sonhas.
Depois, onde é visível o jardim
Através do portão de grade dada,
Põe quantas flores são as mais risonhas,
Para que te conheçam só assim.
Onde ninguém o vir não ponhas nada.

A primeira estrofe do poema, dá-nos claramente a ideia de inconsciência/interioridade e de consciência/exterioridade. O autor utiliza os sonhos para representar o nosso inconsciente, visto que é neste que eles se formam e são exclusivamente nossos, desta forma ele diz que devemos cercar o nosso interior de grandes murros, de modo a proteger os nossos sonhos, bem como os nossos pensamentos e nunca os revelar. Por outro lado, Pessoa utiliza as flores para representar o consciente, sendo flores algo bonito que toda a gente aprecia, o autor diz que devemos mostrar o nosso exterior, revelar aos mais próximos de nós quem realmente somos. As “flores risonhas”, representam as qualidades que devemos expor para os outros. Nesta estrofe, é também visível a preferência do autor, ao seu interior, ao seu “sonho de si próprio” do que ao exterior.

Faz canteiros como os que outros têm,
Onde os olhares possam entrever
O teu jardim como lho vais mostrar.
Mas onde és teu, e nunca o vê ninguém,
Deixa as flores que vêm do chão crescer
É deixa as ervas naturais medrar.

A segunda estrofe reforça a ideia iniciada por Fernando Pessoa na primeira estrofe, nos três primeiros versos, Pessoa diz que devemo-nos misturar com a multidão, que devemos seguir a corrente, “Faz canteiros como os que outros têm”, é nossa obrigação plantar flores nos nossos jardins, tal como os outros fazem. Os três últimos versos dizem exatamente o contrário em relação ai interior/inconsciente. O “onde és teu”, é um lugar qua apenas nós devemos aceder e é nosso dever recalcar os sonhos e pensamentos mais íntimos, para que ninguém se aperceba da sua existência. É nesse local que tudo pode crescer livre, ou seja, que os sonhos podem crescer e se realizar.

Faz de ti um duplo ser guardado;
E que ninguém, que veja e fite, possa
Saber mais que um jardim de quem tu és –
Um jardim ostensivo e reservado,
Por trás do qual a flor nativa roça
A erva tão pobre que nem tu a vês…

Por fim a ultima estrofe, que revela estes dois mundos, o exterior e o interior, sendo indispensáveis um ao outro. “Faz de ti um duplo guardado”, cada um tem de atuar como um agente secreto, onde a sua missão é utilizar um disfarce para proteger a sua verdadeira identidade, o seu verdadeiro “eu”. Enquanto o exterior serve-se de uma aparência, indispensável para o quotidiano, é no interior onde o céu não é o limite, onde crescem sonhos e pensamentos, como se lhe dessemos adobo, mas que nunca podem ser revelados, pois se estes pensamentos saíssem para o exterior, seria como ver crescer ervas doninhas, no meio de jardins perfeitos cheios de flores harmoniosas.

Depois de analisar-mos o poema, verso a verso, é fácil entender a escolha de Fernando Pessoa, quanto ao título, este poema serve como um conselho por parte do autor, após tantos anos de vida, Pessoa, queria deixar a sua opinião do funcionamento do mundo. Assim, na minha opinião este poema, serve como uma chave para toda a leitura de Fernando Pessoa, sendo como uma introspeção que o autor faz a si próprio no fim da sua vida, parecendo até que adivinhava que se avizinhava a sua morte.

Maria Carmo